Com cerca de 700 mil ocorrências notificadas por ano, o Brasil é o quarto país no mundo em acidentes de trabalho. O dado alarmante foi apresentado por Leonice da Paz, presidente da Fundação Jorge Duprat e Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), durante seminário em São Paulo sobre a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Canpat 2018), em 26 de abril último. Desenvolvida pelo Ministério do Trabalho, em parceria com outros órgãos, a iniciativa neste ano foca o trabalho em altura. Segundo dados oficiais, 15% das 1.100 mortes em 2017 decorrentes de acidentes laborais foram ocasionadas por quedas. Na atividade, ao menos, sinalizou-se uma luz no fim do túnel: a tendência de redução nos acidentes por queda, a partir da vigência da Norma Regulamentadora (NR) 35 em março de 2012, relativa à prevenção nesse segmento.
Conforme o coordenador da Comissão Nacional Tripartite Temática (CNTT) da NR 35, o auditor-fiscal do trabalho Gianfranco Pampalon, a queda média nos acidentes em altura nos últimos dois anos é de 2%. O diretor da FNE e professor de Engenharia de Segurança do Trabalho, Celso Atienza, atesta e complementa: “Na construção civil, um dos setores com mais ocorrências do tipo, houve redução de mortes por queda em altura de uns 15%. Conseguiu-se aplicar técnicas de engenharia que realmente levaram à prevenção. Agora, teve queda de emprego no setor, essa relação não está aferida. Mas a norma abre uma perspectiva.”
“Quase a totalidade dos trabalhadores está se adequando, ou seja, tem exame médico especial, tem curso de capacitação. A norma entrou nesse lado, mas o que existe já está errado, esse é um grande problema, conceitos, projetos. Telhados com estruturas frágeis, tem que colocar uma linha de vida. A gente tem visto o mercado contribuindo para isso e sabe que ainda é um tempo curto para uma norma começar a mostrar resultados”, afirma Pampalon, segundo o qual uma aferição mais precisa deve ser possível a partir dos dados consolidados de 2017, que serão divulgados em 2019.
Ele afirma, entretanto, que o avanço em soluções de engenharia ainda é tímido. “São improvisadas, no geral o pessoal simplifica e faz estruturas com serralheiro. Visualmente parece estar com a solução, mas na maioria das vezes se sabe que não é suficiente. Infelizmente abre-se mão da engenharia para economizar, principalmente em obras públicas. É preciso rever a licitação por menor preço.”
Desafios
Como aponta Atienza, outro problema a ser solucionado é a recuperação do Ministério do Trabalho, que se encontra sucateado: “A NR 35 colabora para que se evitem acidentados, mas os acidentes continuam porque falta fiscalização. É preciso resgatar a Secretaria de Segurança no Trabalho.”
O número de auditores-fiscais vem se reduzindo. “Em 2009 nós éramos 3.900, hoje somos 2.350 em todo o Brasil. Dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que se baseiam no número de auditores por trabalhador ativo indicam que seria necessário 8 mil no País, mas o Ministério gostaria de trabalhar numa faixa de 3 mil”, informa Pampalon. Segundo ele, grave problema é que não tem havido concurso público para renovação de quadros e muitos estão já aposentados ou em vias de. “De uma hora para outra pode haver 100 a menos.” Além de mais profissionais, na sua avaliação, é preciso ter especialistas em determinadas áreas, “para uma auditoria seletiva e bem feita”. Pampalon explica: “Em São Paulo tem o parque industrial; em Minas Gerais e Goiás tem mineração e extrativismo; no sul tem suinocultura. Os riscos (ao trabalhador) são variados.”
Para contornar a carência de mão de obra, ele afirma que uma estratégia que está sendo usada é a notificação coletiva, de várias empresas do mesmo setor, para que em princípio apresentem documentação. “Havendo evidência de coisa errada, faremos fiscalização in loco e vamos autuar.” Conforme Pampalon, as concessionárias de energia foram fiscalizadas em 2016 até final de 2017. “Como resultado, mudaram o modo de planejamento, não só do risco elétrico como também do trabalho em altura.” Um dos graves problemas no segmento, ainda a ser sanado, contudo, é que em muitas cidades os postes são de madeira. “É o maior índice de acidente grave e fatal, mais do que choque elétrico. Temos infraestrutura de postes velhos que caem quando o trabalhador está lá em cima, tem que modificar isso. As empresas já estão elaborando um padrão para verificar previamente se a estrutura está abalada, se tem resistência mecânica, mas tem acidentes que acontecem porque se terceiriza demais no setor.”
Subnotificação
Um programa nacional à prevenção, contudo, esbarra na falta de dados estatísticos corretos. “O que se tem hoje é um quadro da Previdência, que só inclui acidentados após 15 dias. É um número irreal, isso não é acidente, é sua consequência”, observa Atienza. Pampalon ratifica: “Só trabalhador formal com vínculo empregatício entra na estatística e acreditamos que o que está na informalidade deva estar submetido a riscos ainda maiores.” Para Antonio Pereira, coordenador da Comissão Permanente Regional da NR 18, a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) e as distintas formas de contratação que introduz podem complicar ainda mais.
Na luta contra a precarização, ele observa que, na outra ponta, ter “uma normativa como a NR 35 é um caminho para que a sociedade possa ter uma luz no sentido da prevenção”. O dispositivo segue em evolução. Conforme o representante da FNE, engenheiro José Manoel Teixeira, está em discussão neste momento o anexo sobre acessos por escada.