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Aos 90 anos, o cientista Sérgio Mascarenhas de Oliveira, fundador do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, introdutor do curso de Engenharia de Materiais na América Latina e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP, vê seu invento ganhar mercado. Trata-se de um método minimamente invasivo de medir a pressão intracraniana (PIC) por meio de um sensor que lê mínimas deformidades no crânio.

As informações são enviadas pela internet para um sistema que as analise e permita a visualização em tempo real pelo médico através de um monitor ou em relatórios que podem ser impressos. Patentea­do nos Estados Unidos e aprovado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o serviço está sendo comercializado pela startup Braincare, criada pelo cientista.

A pesquisa teve início há mais de dez anos, após Mascarenhas ter sido diagnosticado com hidrocefalia e ter que passar pelo exame regular que mede a PIC, através de um furo no crânio. “Fiquei muito inconformado que não houvesse um método de medir sem perfurar a cabeça”, conta ele na entrevista ao Engenheiro.

Como foi o desenvolvimento do método minimamente invasivo para medir a PIC?
Eu tive uma doença grave há 12 anos chamada hidrocefalia de pressão normal que, nos idosos, com o crânio já consolidado, aperta os neurônios e causa uma série de problemas clínicos, como dificuldade para andar, dores de cabeça, tontura. Para o diagnóstico da doença, é necessário um exame em que o crânio é perfurado; até então a única forma de se medir a pressão intracraniana. Eu me submeti, mas fiquei muito inconformado que não houvesse um método de medir sem perfurar a cabeça. Então me lembrei que seria possível adotar uma técnica usada na engenharia para determinar variações muito pequenas de deformação, por exemplo, numa construção, numa ponte.

E como foi a migração da técnica da engenharia para a neurologia?
Fiz experimentos com crânios de cadáver e mostrei que, colocando esse chip que se usa na engenharia civil para medir pequenas deformações, eu conseguiria medir a PIC através da deformação do crânio. Para minha surpresa, quando conversei com neurocirurgiões, eles diziam que o crânio humano é rígido, sem movimentação depois da idade adulta, consolidado no princípio de Monro-Kellie, com mais de 250 anos. Mas demonstrei que seria possível detectar deformação (do crânio) usando tecnologia.

Como se deu a evolução da pesquisa?
Consegui, através da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e outros órgãos, recursos para começar a fazer as pesquisas em São Carlos e na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Saí da “torre de marfim” das universidades e fui atender a sociedade. Criei a empresa Braincare, que já tem duas patentes nos EUA e na Europa. Aqui no Brasil ainda não saiu, mas o equipamento foi aprovado pela Anvisa e está em vários hospitais. A partir da minha doença, consegui fazer uma contribuição social, mas não fiquei somente nessa área. A técnica pode ser usada, por exemplo, para prever e diagnosticar fenômenos que ocorrem no sistema nervoso central numa gravidez de risco, como a eclampsia. Também na cardiologia, pois a variação da pressão arterial influencia a intracraniana. Temos uma lista muito grande de possíveis aplicações, na área de cefaleia, de sepses. É possível ajudar na avaliação da punção lombar que se usa para diminuir a dor de cabeça em caso de meningite. O método torna a PIC uma variável de saúde, como é a pressão arterial.

A nova técnica será acessível financeiramente?
A única técnica não invasiva para medir a pressão intracraniana disponível custa cerca de US$ 100 mil, que é o doppler transcraniano. O desenvolvimento que eu fiz é da ordem de R$ 10 mil a R$ 20 mil, mais de dez vezes mais barato. Além de tudo, é aplicado em várias outras patologias.

O senhor foi procurado inclusive pela Nasa?
Fui, porque quando os astronautas ficam muito tempo fora da atração da gravidade nas estações espaciais começam a desenvolver problema sérios, como de visão, que ocorre devido à barreira hematoencefálica, protetor do sistema nervoso central, que depende da gravidade para funcionar. A Nasa me procurou porque queria usar o meu método, mas não quiseram assinar um contrato comigo e me ofereceram US$ 15 mil pela minha invenção, o que é um absurdo. Só o custo das patentes obtidas nos EUA foi mais de US$ 150 mil.

O método está, portanto, consolidado?
Será uma nova variável vital mensurável não invasivamente. Da mesma forma que se mede temperatura, mede-se a pressão intracraniana. Outra observação importante é que a pressão intracraniana sempre foi considerada pelos neurocirurgiões como um simples número, mas ela é uma variável que apresenta picos. Você pode ver vários picos da pressão intracraniana pelo método que eu desenvolvi e fazer o diagnóstico por imagem.

O senhor mencionou que, com essa pesquisa, pôde sair da “torre de marfim” e criar algo de utilidade real e vital à sociedade. A ciência no Brasil precisa ir mais por esse caminho?
Graças à Fapesp, organização Panamericana de Saúde, Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo e Ribeirão Preto, dos hospitais, estamos saindo à sociedade e oferecendo essa tecnologia brasileira que espero seja oferecida também nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Para isso, precisamos do empreendedorismo, que transforma a descoberta científica em bem social. A ciência básica se transforma em ciência aplicada. É preciso fazer isso cada vez mais no Brasil, e não apenas na saúde, mas no trabalho humano, na empregabilidade. Esse é meu apelo através da descoberta que fiz juntamente com uma equipe. Agora temos encontrado pessoas que querem investir na Braincare, e isso vai retornar ao País. Com a união entre empreendedorismo e cientistas, teremos um legado à área da saúde e à população brasileira.

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