O diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, analisa, em entrevista ao Engenheiro, o perfil do governo de Jair Bolsonaro, que terá início em 1º de janeiro de 2019.
Na sua avaliação, a tônica dominante será uma dupla pauta dividida entre o presidente eleito e o economista Paulo Guedes, anunciado para o superministério que abrangerá Fazenda, Planejamento, Comércio e Indústria. Enquanto o mandatário tratará da agenda de costumes, o auxiliar se encarregará das pautas liberais na economia, que incluem a política do setor e o ajuste da máquina pública, com reforma da Previdência e privatizações.
Nesse cenário, Toninho prevê embates com os movimentos sociais, incluindo as entidades sindicais. O Congresso eleito, aponta o diretor do Diap, embora tenha sido renovado com 44% dos 513 deputados em primeiro mandato, teve o equilíbrio ideológico reduzido à medida que a esquerda manteve o tamanho da bancada, a direita foi fortemente ampliada e o centro reduzido. “É conservador em relação aos valores, liberal do ponto de vista econômico e atrasado em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente”, resume.
O que esperar do governo que terá início em 1º de janeiro?
Haverá momentos muito tensos na relação com os movimentos sociais, de um modo geral, inclusive o sindical. Tudo indica que será estabelecido um padrão em que Jair Bolsonaro entrega a economia e o ajuste ao Paulo Guedes, enquanto ele próprio vai tratar da agenda de costumes, usando seu capital político para fazer o enfrentamento com a esquerda. As reformas que retiram direitos e vendem o patrimônio ficam com o Paulo Guedes. Há aí uma manobra diversionista da seguinte ordem: mantém essa disputa em relação aos costumes na imprensa, enquanto turbina as reformas de interesse do mercado.
Nessa agenda, como fica a reforma da Previdência?
Eu acho que eles consideram tímida a PEC do Michel Temer (Proposta de Emenda à Constituição 287-A, encaminhada ao Congresso pelo atual presidente em 2016). Embora possa estabelecer uma regra de idade mínima inicialmente menor e ir ampliando, vai propor o sistema de capitalização, que é a entrega da Previdência Pública aos bancos. A tendência é que piore a proposta da perspectiva dos trabalhadores.
Pode haver novas mudanças em relação à legislação trabalhista e à organização sindical?
No caso da trabalhista, não tem mais o que mudar, já tiraram tudo com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017).
O que deve ser efetivamente privatizado?
Vão privatizar em primeiro lugar as empresas que foram criadas durante o governo do PT. Depois, devem inviabilizar financeiramente as estatais na medida em que vendem o filão. Por exemplo, no setor de petróleo, vendem-se o refino e a distribuição. Isso vai sendo feito gradualmente para garantir fluxo de caixa. Quando sobrarem apenas as consideradas estratégicas, como geração de energia, vão privatizar essas também. No final, o ajuste não terá sido feito, e as estatais terão sido vendidas.
Além da venda do patrimônio público, o que mais deve entrar no pacote do ajuste fiscal?
Um ponto é transferir uma série de atribuições do Estado para a iniciativa privada e eliminar políticas públicas de atendimento e fiscalização na área social. Com isso, também se desmobilizam aqueles setores que podem criar embaraço para a agenda de base neoliberal, objetivo que também deve incluir a revisão de marcos regulatórios. Outra linha é cortar direitos do servidor público, não dando condições de atuação aos órgãos que, na visão do governo, criam embaraço ao empreendedorismo, inclusive os ambientais. Aqui entra a questão do fim da estabilidade do servidor como forma de enquadrá-lo, fazer com que não resista às diretrizes governamentais.
Que papel devem ter as Forças Armadas no governo. Estarão presentes para além da Defesa?
Haverá valorização dos militares na ocupação de cargos estratégicos. A dúvida é se, além disso, será adotado um estilo autoritário.
E qual o perfil do Congresso eleito?
É conservador em relação aos valores, liberal do ponto de vista econômico, mais pró-ajuste fiscal que o atual e atrasado em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente. Você tem uma piora na composição do Congresso na perspectiva dos interesses mais gerais da população, sob qualquer ponto de vista. Embora tenham sido eleitos mais jovens, mais mulheres, mais gente conectada às redes sociais e mais parlamentares no primeiro mandato, portanto suspostamente tenha havido uma oxigenação, é um congresso que do ponto de vista de qualidade e da experiência, perde para o anterior. Houve crescimento exponencial da direita, manutenção da esquerda com pequeno crescimento, enquanto o centro se reduziu bastante.
Que projetos devem ser aprovados no início da legislatura?
Vão priorizar o ajuste fiscal e a agenda que inclui temas como redução da maioridade penal, mudança no Estatuto do Desarmamento com ampliação da permissão ao porte de arma, o excludente de ilicitude para policiais que matam no exercício da função e tipificação como terrorismo das ações dos movimentos sociais.
Quem está cotado para presidir a Câmara e o Senado?
Na Câmara, deve se eleger alguém do campo conservador, e o Rodrigo Maia (DEM/RJ) está entre os nomes possíveis, porque vai apoiar a agenda liberal e também a dos costumes. No Senado, o natural seria o MDB ter a Presidência, mas o partido não tem nomes experientes e aceitáveis pelo grupo de Bolsonaro. É possível que se consolide alguém da base do governo, mas que goze de algum tipo de credibilidade perante a oposição. Pode ser uma opção Espiridião Amin (eleito em Santa Catarina pelo PP), considerado sério e independente pela esquerda e próximo do pessoal de Bolsonaro.