Há cerca de dez anos, o físico Oswaldo Baffa, especialista em biofísica, física médica e biomagnetismo, pensou que seria possível, além de aplicar ondas magnéticas no cérebro a partir de um equipamento feito de bobinas, também saber a localização exata de sua incidência.
Dedicado ao tema desde os anos 1980 no Laboratório de Biomagnetismo do Departamento de Física da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, em 2008 ele descobriu que o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer – CTI, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), desenvolve, desde 1999, um software público na área médica chamado InVesalius. Esse gera modelos virtuais idênticos, em 3D, de estruturas anatômicas ou anomalias como tumores, a partir de exames de imagens de equipamentos de tomografia computadorizada, microtomografia e ressonância magnética (veja abaixo).
A existência do software acelerou a pesquisa de Baffa, que vem desenvolvendo linha de tratamento chamada Estimulação Magnética Transcraniana (ou TMS pela sigla em inglês). A técnica, que permite induzir correntes elétricas, é utilizada para testar os circuitos nervosos que conectam o cérebro aos músculos no tratamento de áreas danificadas após um AVC ou doenças neurodegenerativas, como a esclerose lateral amiotrófica. Se os circuitos estão intactos, os estímulos elétricos da TMS no córtex cerebral produzem movimentos musculares.
O equipamento de TMS, conforme explica Baffa, não aplica a corrente elétrica diretamente no cérebro, mas produz um campo magnético, que por sua vez gera um campo elétrico associado. Esse é capaz de atravessar o crânio e ativar os neurônios. Mas, para agir sobre uma região específica do cérebro, o estímulo tem que ser preciso, daí a importância da neuronavegação virtual.
Conforme o pesquisador, primeiramente, é feita uma imagem de ressonância magnética que revela o interior do cérebro e essa é carregada num computador ao qual também é conectado neuroestimulador feito com bobinas. “Posiciono sobre a cabeça do voluntário e consigo ver a partir da imagem no computador onde é que estou estimulando”, explica.
Com isso, é possível realizar procedimentos mais rápidos e com mais precisão, como mapeamentos motores. Ele conta que na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) há um grupo de estudos utilizando a ferramenta para recuperar os ligamentos do braço com a coluna de motociclistas que sofreram acidentes e que muitas vezes perdem o movimento do membro superior. “É um equipamento que vem refinar um método de terapia que já existe e pode ter inúmeras aplicações, podendo ter um impacto que ainda não dá para ser medido”, salienta Baffa, lembrando que é algo novo e experimental.
O InVesalius
Desde 2002, médicos-cirurgiões e pesquisadores utilizam o InVesalius ao planejamento de cirurgias de alta complexidade para dar mais informação ao cirurgião. Além de ter na tela do computador o paciente em 3D, dissecado, com todos os detalhes, o profissional passou a imprimir o objeto da cirurgia, criando, de maneira precisa, uma prótese numa cranioplastia, por exemplo, ou simulando situações complexas, como tumores. É o primeiro software livre no mundo que possibilitou integrar equipamentos de imagens médicas com impressoras 3D.
“Nasceu de uma necessidade e um sonho quando comecei a trabalhar com imagens médicas, impressão 3D e sua integração para soluções. No início tivemos que convencer a classe médica que era possível uma ferramenta como essa. E naquela época eles nos olhavam como se a gente fosse maluco”, recorda Jorge Vicente Lopes da Silva, pesquisador da Divisão de Tecnologias Tridimensionais do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer – CTI, que lembra que acumulam mais de 5 mil casos cirúrgicos desde então. “E esse número é ínfimo diante da demanda no País”, completa.
Para que a inovação fosse acessível a todos, foi utilizada uma plataforma livre, de código aberto. “Na época já existiam algumas opções, mas eram todos softwares proprietários e caros. Para a gente usar na pesquisa até que poderia ser feito um esforço e comprar, mas aí não poderíamos compartilhar e torná-lo acessível para os médicos e outras universidades que não podem pagar ou hospitais públicos com poucos recursos”, recorda Silva.
Atualmente o InVesalius pode ser executado em Windows, Linux e Mac OS, em computadores pessoais de baixo custo. Está traduzido para 16 idiomas e contabiliza quase 40 mil instalações, distribuídas em 150 países. Além da medicina, outras áreas se beneficiam do InVesalius, como a odontologia, veterinária, engenharias, arqueologia e paleontologia.
Uma aplicação do InVesalius foi no crânio de Luzia, considerada a “primeira brasileira” com 11,4 mil anos, quando dos primeiros estudos da relíquia arqueológica – lamentavelmente danificada no incêndio do Museu Nacional ocorrido em setembro último. “O software foi utilizado para escanear sua mandíbula para reproduzir um dente que foi extraído e enviado à Dinamarca, onde foram feitos testes de DNA”, detalha Silva.
A nova versão do InVesalius está disponível desde o final de 2017. Informações e download.