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Cresce Brasil

A imagem do cientista excêntrico com seus cabelos brancos arrepiados após diversos choques num gigantesco experimento pode estar no imaginário de muita gente. Mas para a Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace), promovida por pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), os cientistas são jovens do oitavo e nono anos do ensino fundamental, do ensino médio regular e técnico. Incentivados, eles possuem nas mãos a pesquisa e projetos promissores voltados à necessidade de suas comunidades, com todas as cores e energia da juventude.

Arquivo PessoalMais de 2 mil escolas de diversos municípios de todo o País já participaram das exposições de finalistas ao longo dos quase 20 anos da Febrace, que tem como principal objetivo estimular a cultura científica, a inovação e o empreendedorismo em alunos e professores. Além das premiações concedidas pela Febrace, os finalistas representam o Brasil em competições e feiras internacionais – contabilizando mais de 60 conquistas.

“Enquanto não tivermos a garantia de que todas as escolas do Brasil oferecem aos alunos a oportunidade de desenvolverem como protagonistas projetos e pesquisas em que possam se aprofundar, aprender e vivenciar, seja em ciência ou em qualquer outra área escolhida, nosso trabalho não terá terminado”, afirma Roseli de Deus Lopes, professora do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Poli-USP, coordenadora-geral da Febrace e uma das fundadoras.

Esse trabalho foi reconhecido ao vencer, em dezembro último, a edição de 2021-2022 do prêmio Péter Murányi, que agracia iniciativas capazes de melhorar de forma inovadora a qualidade de vida da população nos temas educação, saúde, alimentação e ciência e tecnologia.

“Ficamos muito felizes, para nós é um prêmio muito importante”, salienta a coordenadora da Febrace. Segundo ela, o valor ganho, de R$ 200 mil, será aplicado num novo modelo de custeio da feira. “Hoje fazemos o planejamento de cada edição e vamos atrás de apoios públicos e privados para as despesas. É um modelo bastante desgastante, não temos previsibilidade”, conta a pesquisadora.

Conforme Lopes destaca, esse é um problema nacional. Os cortes orçamentários no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) em 2021 chegaram a 92%, resultando em drásticas reduções em todos os programas e instituições de fomento à pesquisa no País.

Mesmo com aumento substancial proposto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2022) à Pasta, segundo análise da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) deve permanecer estagnado em torno de R$ 1,3 bilhão.  

Para a engenheira, é urgente atuar na contramão, ou seja, intensificar a defesa de recursos para a pesquisa e a área científica, considerando, sobretudo, os recentes exemplos advindos da pandemia, como o desenvolvimento de vacinas e, dentro da própria Poli, do respirador de baixo custo Inspire.

“Se temos um desafio e estamos preparados, conseguiremos vencer. Se não estamos preparados, não adianta falar em falta de sorte. Precisamos de investimento, e com previsibilidade”, reitera Lopes.

Novos formatos

A Febrace, que selecionava todos os anos em torno de 300 projetos dentre os inscritos para exposição na USP, teve que se adaptar rapidamente ao modo online em 2020 devido à pandemia de Covid-19. A mensagem que ficou clara com o novo formato, segundo a coordenadora, é da importância de as escolas terem acesso à internet de qualidade.

“A gente pivotou do presencial para o modo digital em uma semana e manteve todas as bancas”, conta. Ela pontua: “No mundo da educação estar conectado é um direito. Criamos a Febrace para mostrar que o papel da educação é fazer com que crianças e jovens sejam capazes de formular perguntas com complexidade cada vez maior e buscar as respostas, ter autonomia. E a conectividade nesse processo é fundamental.”

Para 2022, foram avaliados 500 projetos para bancas virtuais que acontecerão ao longo deste mês de janeiro. “Desses, escolheremos 70 para virem, com todas as condições de segurança garantidas, a uma expo presencial em março”, informa Lopes.

Nesse modo híbrido, a engenheira vê o melhor dos “dois mundos”, mantendo as bancas virtuais por cuidados ainda necessários de evitar aglomeração de pessoas num mesmo ambiente e a troca de experiências na Febrace presencial.

Rafaela Curcio, 18 anos, cursava o segundo ano do ensino médio na Escola Técnica (Etec) Benedito Storani, em Jundiaí, quando o professor de Estudos Ambientais, Ricardo Murilo de Paula, propôs aos alunos a iniciação científica por meio de projetos embasados nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) apresentados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

“Fiquei interessada no sexto objetivo, que fala sobre água potável e saneamento básico. Pesquisando, descobri um lago perto do meu bairro que estava numa situação preocupante em que os peixes estavam morrendo”, conta Rafaela. “Eu me questionei: será que existe algum dispositivo autônomo capaz de realizar análises de água e acessível financeiramente?”

Assim nascia seu projeto, um drone aquático para análises de temperatura e pH de recursos hídricos a baixo custo. “Tanto a locomoção do protótipo quanto a coleta e transmissão de dados são feitas de forma remota”, explica. As informações obtidas pelos sensores, segundo completa, são enviadas de forma instantânea via internet.

Ao dar início ao pré-projeto, Rafaela conheceu a Febrace, que se tornou seu sonho. “Eu queria muito participar da feira, queria passar por esse processo científico, de pesquisa. Mas em 2019 meu projeto não foi aceito. Em 2020, eu consegui colocá-lo em prática, comecei a trabalhar para construir um protótipo, me inscrevi para a Febrace de novo e fui aceita em janeiro de 2021, quando saiu o resultado dos finalistas”, relata.

Para orientá-la no projeto, a estudante convidou o professor do curso preparatório ao vestibular Poliedro José Roberto Cunha Jr.. Com vasta experiência em física e automação, ele já havia participado de edições anteriores da Febrace. “Por conta da pandemia, nos reunimos remotamente ou em casa, e assim fomos fazendo cada etapa, os circuitos, as ideias iam surgindo, íamos debatendo, anotando os insucessos, as várias tentativas [...] Fizemos videochamadas com finalistas anteriores, orientadores, várias pessoas que nos ajudaram muito”, destaca.

Nesse processo de pesquisa e desenvolvimento Rafaela se apaixonava ainda mais pela ciência. “Muitos problemas surgiram nessa caminhada, mas essa é a graça do projeto científico, da pesquisa, a gente tem que gostar do desenvolvimento, das falhas, porque é o que torna interessante”, afirma.

O resultado de tamanha experiência não poderia ser melhor: o projeto de Rafaela ficou em primeiro lugar na categoria Engenharia da Febrace 2021 e recebeu o prêmio da Associação dos Engenheiros Politécnicos. Ainda representou o Brasil na Feira Internacional de Ciências e Engenharia (na sigla original em inglês Regeneron Isef), conquistando o terceiro lugar na categoria Environmental Engineering, com o prêmio de US$ 1.000, que, garante ela, "será investido no projeto”.  

Atualmente, a jovem cientista aguarda ansiosa o resultado do vestibular que prestou para Engenharia Elétrica na Poli-USP. “Tenho muito orgulho de ter participado [da Febrace], e a presença dela no Brasil como incentivo à ciência é fundamental, me mostrou do que sou capaz e que a ciência é linda! A minha missão agora é lutar pela ciência. Quero mostrar para as pessoas que elas podem sim transformar o mundo”, atesta Rafaela.

Cunha também enaltece iniciativas afins. “Precisamos estimular, cada vez mais, que jovens entendam a carreira científica como promissora, que dá resultados e pode mudar a vida das pessoas”, enfatiza o professor.

 

Jéssica Silva

Anexo: Acervo Pessoal/À esquerda, Rafaela Curcio com protótipo do drone aquático. À direita, com os prêmios da Febrace.

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