O Acordo que cede a base de Alcântara-MA aos EUA intitula-se “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América nos Lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara”
Ele foi celebrado em Brasília, em 18 de abril de 2000, ainda sob o Governo FHC. No entanto, ele foi rejeitado pelo Congresso Nacional em 2000 por ser considerado pelos parlamentares muito intrusivo, na medida em que dava acesso total à base pelos norte-americanos com pouco retorno tecnológico para o Brasil.
Em junho de 2017, Temer seguiu os passos de FHC e renegociou o acordo com Washington. O Acordo renegociado estabelece um enclave americano em território nacional, visando “proteger tecnologia sensível de origem norte-americana (satélites, foguetes, etc.) de apropriação indevida”.
O Acordo firmado com o Brasil e em tramitação no Congresso tem dois tipos de cláusulas: salvaguardas tecnológicas e salvaguardas políticas.
As salvaguardas
Dentre as salvaguardas políticas e tecnológicas apresentadas, parte não tem relação com o objetivo manifesto do acordo e não constam de qualquer outro acordo de salvaguardas tecnológicas firmados entre os EUA e outros países. E parte, mesmo que admissíveis num acordo dessa natureza, foram redigidas de forma imprópria e atentando a soberania nacional. Entre elas, destacam-se:
1. Proibição de usar o dinheiro dos lançamentos no desenvolvimento do veículo lançador-VLS (Artigo III, parágrafo E, do Acordo de Alcântara);
Ao proibir o uso dos recursos do aluguel da Base de Alcântara no programa brasileiro do VLS (Veículo Lançador de Satélites), essa salvaguarda interfere indevidamente num programa de enorme importância para o desenvolvimento espacial brasileiro. Tal cláusula é claramente atentatória à soberania nacional.
2. Proibição de cooperar com países que não sejam membros do MTCR (Artigo III, parágrafo B, do Acordo de Alcântara);
Tal salvaguarda, ao proibir que o Brasil coopere com países que não sejam membros do (Missile Technology Regime Control-MTCR), impõe restrições descabidas à cooperação tecnológica nacional e confere a um país estrangeiro, os EUA, no caso, o poder de limitar o arbítrio da República Federativa do Brasil quanto à maneira de usar a sua base nacional e desenvolver seu programa aeroespacial.
3. Possibilidade de veto político unilateral de lançamentos (Artigo III, parágrafo A, do Acordo de Alcântara),
Essa salvaguarda não tem nenhuma relação com o resguardo de tecnologia norte-americana, mas é sim um atentado a soberania nacional. Pelo que está previsto no Acordo, os Estados Unidos poderão proibir que o Brasil possa, utilizando base instalada em território nacional e veículos de lançamento de sua propriedade (ou de propriedade de terceiros países), lançar satélites para nações desafetas dos EUA.
4. Obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países, de modo a obstaculizar a cooperação tecnológica (Artigo III, parágrafo F, do Acordo de Alcântara).
Nações soberanas não podem ser coagidas a celebrar atos internacionais entre si em função de um acordo bilateral firmado por uma delas com outro país, e muito menos serem obrigadas a inscrever nesses atos o mesmo conteúdo do acordo. Na realidade, essa cláusula tem um endereço certo: os acordos de cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior firmados pelo País com a Rússia, a Ucrânia, a China e a Itália, além de outros. O temor do governo norte-americano é que esses países, em decorrência das atividades de cooperação ensejadas pelos acordos, repassem ao país ou facilitem o desenvolvimento de tecnologia de veículos lançadores de satélites para o Brasil.
5. Os EUA terão o direito de ter a disposição e controlar “áreas restritas” dentro da Base de Alcântara:
Tais áreas serão controladas vinte e quatro horas por dia exclusivamente pelos EUA. Os cidadãos e autoridades brasileiras ficarão proibidas de entrar nessas áreas. O governo dos EUA poderá também, conforme o Acordo, instalar aparelhagem eletrônica para melhor controlar tais áreas e nelas realizar inspeções sem aviso prévio ao governo brasileiro. Até mesmo os crachás para se adentrar tais áreas serão emitidos unicamente pelo governo dos EUA ou por seus representantes autorizados. Assim, caso aprovado o Acordo, o presidente do Brasil quiser circular livremente pela Base de Alcântara, terá de portar crachás emitidos por autoridades norte-americanas.
6. O Brasil não poderá revistar o material que os EUA fizerem ingressar na Base:
O Acordo prevê que os “containers” lacrados que virão dos EUA não poderão ser abertos enquanto estiverem em território brasileiro. Tais “containers” só poderão ser abertos nas “áreas restritas”, exclusivamente por pessoal norte-americano. Isso significa que a alfândega brasileira ou quaisquer outras autoridades brasileiras não poderão ter nenhum acesso às cargas que ingressarão em Alcântara.
Interesses secundários
As cláusulas políticas manifestam um interesse secundário, mas relevante, para o governo norte-americano: colocar o programa espacial brasileiro na influência estratégica dos EUA e impedir o desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites – VLS por parte do Brasil.
Esse aspecto é importante porque, com o veículo lançador, o Brasil poderia dominar todo ciclo da tecnologia espacial e ser um player importante no mercado de lançamentos de satélites. Afinal, O Brasil tem uma base de localização privilegiada, que permite lançamentos comparativamente baratos, e um acordo com a China para o desenvolvimento conjunto de satélites. Só falta o veículo lançador para que o grande potencial brasileiro nessa área crítica da tecnologia possa se concretizar.
Por essa razão estratégica, o governo americano em Washington impôs suas condições. Aliás, essa exigência foi estabelecida com todas as letras desde o início das negociações do Acordo de Alcântara: os americanos “permitiriam” o uso da Base de Alcântara para lançamentos de satélites, desde que o Brasil extinguisse o programa do VLS e concordasse com todas as cláusulas políticas que seriam inseridas no texto. O Poder Executivo Brasileiro aceitou. O Congresso Nacional discute isso agora.
Tatiana Scalco - Ciranda