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Quatorze companhias estaduais de saneamento básico foram incluídas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), pelo governo federal, em março último. Dessas, 13 são das regiões Norte e Nordeste, e uma do Sul. Todavia, outras empresas públicas entraram no rol com a Lei Complementar 159, sancionada em maio, que prevê a desestatização de ativos estaduais, como os de saneamento, como contrapartida para o recebimento de ajuda financeira da União. Para especialistas da área, o que se avizinha é a ameaça à universalização do saneamento básico, inscrito como um direito humano pela Organização das Nações Unidas (ONU). Quem dá o tom da gravidade é Manuel Carlos de Moraes Guerra, funcionário há 30 anos da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e dirigente do sindicato paulista dos engenheiros (Seesp): “Garantir água de qualidade e tratar o esgoto são atividades custosas e que exigem compromisso com a população. A iniciativa privada tem como objetivo o lucro. Para mim, são perfis incompatíveis.”

O panorama crítico foi traçado na Nota Técnica 183, de junho último, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Nele, afirma-se que o Brasil está na contramão do que vem ocorrendo no mundo, já que houve 235 casos de reestatização dos serviços de abastecimento de água e saneamento em 37 países, sendo 184 deles em nações desenvolvidas, entre os quais Estados Unidos, França e Alemanha. Contudo, o problema também aconteceu em países da América Latina, como Argentina, Uruguai, Equador, Bolívia, Colômbia e Venezuela.

O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Acre (Senge-AC), Sebastião Fonseca, considera a iniciativa do governo um contrassenso à saúde pública e critica a inclusão do Departamento Estadual de Pavimentação e Saneamento (Depasa) na lista, com leilão previsto para o primeiro semestre de 2018. “Defendemos o formato de autarquia pública, pois o “lucro” de uma companhia de água e esgoto não é monetário, é o da qualidade de vida”, assevera. No caso do Acre, Fonseca observa que apenas Rio Branco tem uma situação melhor em relação aos demais municípios em termos de fornecimento de água e tratamento de esgoto. “O interior não teria o apelo comercial que a iniciativa privada busca. Isso equivale a dizer que temos uma ameaça real à universalização desses serviços no estado.”

Situação similar é a do Maranhão, como explica o diretor do sindicato dos engenheiros local (Senge-MA) e funcionário há 38 anos da companhia maranhense de saneamento (Caema), Nelson José Bello Cavalcanti: “O que verificamos em experiências brasileiras e do mundo é que a privatização não melhorou a qualidade da prestação do serviço. O primeiro impacto da desestatização é o aumento do valor das tarifas.” A expansão dos serviços também estará comprometida no estado, que tem 30 municípios com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, segundo Cavalcanti. Ele questiona: “Será que a iniciativa privada vai aportar recursos vultosos para atender às populações pobres dessas cidades?”.

Subsídio cruzado
A privatização da Águas e Esgotos do Piauí (Agespisa), em 7 de julho último, diz o presidente do sindicato dos engenheiros do estado (Senge-PI), Antonio Florentino de Souza Filho, passou “por cima de todas as leis e da própria sociedade”. Segundo ele, Teresina corresponde a mais de 50% do faturamento da empresa, com o serviço nas mãos do poder público existe o “subsídio cruzado”, que dá sustentabilidade aos municípios menores e mais pobres. Alguns dias depois da entrega da companhia piauiense, a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionou o reajuste da tarifa de abastecimento de água: “Em Teresina, o reajuste foi de 2,96% e entrou em vigor no dia 1º de julho. Nos demais municípios o aumento foi ainda maior, de 4,57%, e vigerá a partir de 1º de agosto deste ano.”

Outra empresa na mira da privatização é a Companhia Catarinense de Água e Sanea­mento (Casan), justamente no momento em que a empresa vive o seu auge, segundo o vice-presidente dos engenheiros do estado (Senge-SC), Carlos Bastos Abraham, “com programação de investimentos que chegam a R$ 350 milhões em obras que devem colocar Florianópolis entre as cinco capitais do País em saneamento e um investimento global de R$ 2,15 bilhões em todo o estado”. Ele é taxativo: “Empresas de saneamento não são moeda de troca.” Por isso, o Senge passou a integrar a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público e Contra a Privatização das Empresas Estatais de Santa Catarina, lançada em 20 de junho, na Assembleia Legislativa.

Alagoas, estado que tem apenas 30% de tratamento de esgoto em Maceió, situação que piora nas cidades do interior, conforme relato do presidente do Senge-AL, Disneys Pinto da Silva, também pode ver sua companhia estadual de saneamento, a Casal, ir a leilão no início do próximo ano. O dirigente, contrário à desestatização, defende que as empresas do setor tenham gestão estritamente profissional. “É disso que precisamos. Com isso, e não com a iniciativa privada, caminharemos para universalização do serviço.”

O caso mais emblemático, e traumático, da iniciativa privada no setor de saneamento é o da capital amazonense, conforme Nota Técnica do Dieese. A Manaus Saneamento (subsidiária da Companhia de Saneamento do Amazonas – Cosama) foi leiloada em 2000. De lá para cá, a empresa já trocou três vezes de comando privado e enfrentou duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Municipal, que levantaram diversos problemas, entre esses o da falta de água e de investimentos na expansão e melhoria dos serviços.

Segundo dados da ONU, mais de 2,5 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a banheiros e sistemas de esgoto adequados. No Brasil, segundo o Atlas de Saneamento 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a rede coletora ainda está ausente em 2.495 municípios – 44,8% do total. Grande parte em estados das regiões Nordeste e Norte do País, com destaque para Bahia, Maranhão, Piauí e Pará, dentre outros.

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