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Cresce Brasil

Com uma costa de 8,5 mil quilômetros navegáveis, o Brasil possui um setor portuário que responde sozinho por mais de 90% das exportações realizadas pelo País. O sistema é composto por 37 portos públicos – que podem ser privatizados, conforme anúncio feito pela equipe do governo eleito divulgado pela imprensa em 31 de outubro –, entre marítimos e fluviais, podendo ter administração direta da União ou concedida a estados e municípios; e 144 terminais de uso privado (TUPs).

O marco regulatório do setor é definido pela Lei 12.815/2013. A atividade está ligada diretamente à Secretaria Nacional dos Portos, do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, e o órgão regulador é a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Em 2017, conforme dados da agência, foram movimentadas mais de 1,086 bilhão de toneladas de cargas pelo setor, como granel sólido (64%), granel líquido e gasoso (21%), contêineres (10%) e mercadorias em geral (5%).

Portuário há 39 anos e ex-presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga do Espírito Santo, Luiz Fernando Barbosa Santos divide a trajetória dos portos brasileiros em três grandes ciclos: o inicial, do segundo império até 1934, com forte presença do setor privado; de 1934 a 1993, gestão estatal e criação da holding Portobras (extinta em 1991) e companhias docas, que detinham o monopólio do embarque e desembarque; e, finalmente, com a promulgação da Lei 8.630, em 1993, a chamada “lei de modernização dos portos”, a desestatização e a quebra do monopólio estatal.
Essa legislação, explica o capixaba, teve um amplo e intenso debate com especialistas, empresários e sindicatos portuários. Barbosa Santos lamenta apenas que ao governo à época (Fernando Collor de Mello) faltava uma visão mais social. “Achavam que o custo portuário era somente decorrente da mão de obra.” Por isso, observa Carla Diéguez, pesquisadora da área portuária e diretora acadêmica da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), houve uma redução drástica do contingente do efetivo nos portos por conta da automação e alteração das relações de trabalho com a criação do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), que passou a requisitar os portuários. Antes esses eram “trabalhadores avulsos” que eram solicitados pelo empregador diretamente ao sindicato da categoria. “Mudou-se toda uma cultura secular de trabalho”, lamenta.

Gargalos: da centralização à cadeia logística
O diretor adjunto do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), José Antonio Marques Almeida, o Jama, que, por 46 anos, foi funcionário da companhia docas (Codesp) que administra o Porto de Santos, o maior do País, imputa à centralização das decisões em Brasília fator negativo aos negócios portuários. “Isso gera distanciamento e perda de energia, porque as prioridades acabam sendo definidas segundo interesses políticos.” Barbosa Santos concorda e afirma que uma política única para todo o País sem observar as singularidades de cada porto leva a planos genéricos e dissociados da realidade.

Para o portuário capixaba, existem ainda redundâncias de atos normativos por parte das diversas autoridades intervenientes nos portos. “Embora haja ações do uso das tecnologias da informação, estas reproduzem a enorme quantidade de documentos físicos, gerando ineficiência e perda de tempo pelo excesso de burocracia.” Outro aspecto comprometedor diz respeito às atividades de qualificação de mão de obra. “Após cinco anos da edição da

Lei 12.815, de 2013, ainda não foram constituídos os fóruns permanentes no âmbito dos portos organizados (art. 33, § 4º) destinados a pactuarem a formação profissional e tecnológica dos trabalhadores.”

A era digital e a qualificação são também salientadas por Jama. Segundo o engenheiro, os investimentos em ciência e tecnologia são vitais para o negócio portuário do País. “As tecnologias digitais estão promovendo uma transformação muito veloz nas operações do comércio marítimo. O advento da tecnologia blockchain, uma plataforma que migra das moedas criptografadas para a logística do comércio internacional, vai inovar na troca de dados, informações e transações de forma universal e segura. Vai ser determinante à competitividade dos atores da logística. Isso demanda produção, disseminação, aplicação e preservação do conhecimento e requer robustos investimentos”, defende.

Jama e Diéguez incluem ainda no rol de problemas a precária infraestrutura da cadeia logística: do pedágio à qualidade de rodovias, ferrovias mal operadas, acessos inadequados às cidades portuárias e modelo de contrato de dragagem. “A saída é aproximar a solução do problema”, reafirma o diretor do Seesp. Já a pesquisadora reivindica maior profundidade aos portos brasileiros para que possam receber grandes navios. Ela exemplifica: “O Porto de Santos sofre constantemente com essa questão. Para isso, uma política de dragagem efetiva é necessária.”

Principal aposta logística do agronegócio brasileiro para a próxima década, os portos do chamado Arco Norte – região que compreende os estados de Rondônia, Amazonas, Amapá, Pará e segue até o Maranhão –, como descreve o jornalista Bruno Merlin, do site Portogente, ganharam, nos últimos anos, fôlego e modernização por sua localização privilegiada. “Eles estão mais próximos da Europa e da costa leste dos Estados Unidos em comparação aos portos mais tradicionais, como os de Santos e de Vitória (ES).” Conforme anuário da Antaq, houve um crescimento de 82% do escoamento da safra agrícola brasileira pela região. “A publicação constatou o aumento da participação dos portos do Norte e Nordeste de 33%, em 2016, para 41%, em 2017, no total das exportações aquaviárias de granéis sólidos”, informa o jornalista.

Por outro lado, para que o sistema portuário nacional não seja apenas grande exportador de commodities, Jama defende a instalação de indústrias nas áreas próximas. Ele cita como exemplo de sucesso o Complexo Industrial Portuário de Suape, em Pernambuco. “Há produtos, como pás para reatores eólicos, que são mais competitivos se fabricados na zona portuária.” E finaliza: “Porto indústria, a exemplo do que já ocorre na China, Marrocos, Espanha, Alemanha, Holanda etc., é um processo inadiável para melhorar a competitividade do produto brasileiro no comércio internacional.”

Para além dos desafios técnicos e administrativos para ganhar eficiência, o setor enfrenta a turbulência advinda da prisão do presidente da Codesp, José Alex Botelho de Oliva, e de outros executivos da companhia, em 31 de outubro, em operação da Polícia Federal que investiga fraudes em licitações no valor de R$ 37 milhões.

Confira o Anuário Portuário 2018

 

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