As transformações desencadeadas pela relação entre ciência, progresso técnico e sociedade constitui um dos maiores desafios contemporâneos, envolvendo um longo processo de mudança social associado à inovação.
O conhecimento tecnológico e as inovações geradas, cujo alicerce é a ciência, redesenharam não apenas a vida ao nosso redor, mas aspectos fundamentais da nossa condição humana e de nossa própria existência.
Vivenciamos um processo de transformações, acelerado e sem precedentes, que situa a inovação como o fator crítico e essencial da dinâmica da economia, cuja orientação para a sociedade e para a sustentabilidade ambiental se mostra crítica para que o conhecimento e o crescimento possam se transformar, de fato, em desenvolvimento, nos termos de Celso Furtado. De um lado, estamos em uma época caracterizada pela ampla difusão da inteligência artificial e do aprendizado de máquina; pelo progresso da computação quântica, da robótica e biotecnologia avançadas; da difusão da internet das coisas; da utilização integrada das tecnologias da informação e comunicação para coletar, analisar e gerar dados em massa, entre outras inovações. De outro lado, testemunhamos quase 700 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza em um mundo onde as mudanças climáticas afetam direta e desigualmente os mais pobres. O Brasil, em que pese a evidência do papel da reconstrução das políticas sociais que retiraram 10 milhões de pessoas da condição de pobreza em apenas dois anos (2023 e 2024), situa-se no triste grupo dos países mais desiguais do mundo, havendo uma concentração inaceitável da riqueza.
Os frutos do progresso técnico e da inovação não tem chegado às pessoas que mais precisam e ao planeta de uma forma que seja justa e ética.
Essa tensão entre o potencial revolucionário das inovações e sua apropriação pela sociedade afeta todas as dimensões da vida social e repercute de forma particular na saúde. Na medida em que incidem sobre aspectos primordiais como a qualidade e a expectativa de vida, a dignidade humana e o bem-estar social, as tecnologias geradas nesse campo precisam ser acessíveis à população. O cumprimento dos princípios constitucionais do SUS – universalidade, equidade e integralidade – requerem uma ciência e uma produção nacional que seja dinâmica e voltada para as demandas da sociedade.
O avanço do padrão tecnológico, progressivamente mais complexo e difícil de ser alcançado, associado às regras internacionais vigentes que fortalecem o monopólio sobre o conhecimento gerado, leva à crescente concentração do conhecimento em um número cada vez mais limitado de empresas e de países. Uma combinação perigosa que promove o agravamento de assimetrias que acentuam desigualdades históricas de acesso aos avanços em saúde. Iniquidades, no entanto, que têm suas origens atreladas aos desequilíbrios que atuam sobre a geração do conhecimento científico-tecnológico, interferindo e condicionando o processo de produção e difusão de um padrão ditado pelo descompasso entre o norte e o sul global, moldando uma parte importante dos desafios contemporâneos no campo da saúde.
Essa assimetria entre pessoas e países na saúde foi revelada durante a pandemia da Covid-19, quando alguns poucos países tiveram acesso total e irrestrito a produtos e serviços de saúde em detrimento de muitos outros que tiveram acesso tardio a vacinas e mesmo a insumos básicos. Para além dos tradicionais problemas associados à dependência externa, como as pressões exercidas sobre a sustentabilidade do SUS, o ocorrido nos alertou para o fato de que a indisponibilidade de produtos essenciais, desenvolvidos e fabricados localmente, pode comprometer seriamente a soberania sanitária nacional.
É nesse contexto que a articulação entre a base nacional de ciência, tecnologia e inovação com as demandas do SUS emerge como um pilar necessário para garantir o acesso – universal, integral e equânime – à saúde no país.
No campo da saúde, onde tramitam fortes interesses econômicos e cujos desenvolvimentos de produtos e serviços, em grande parte, demandam altos investimentos de longo prazo, as Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (PD&I) desempenham papel estratégico. Além de criar um ambiente favorável à atividade nacional de PD&I e articular diversos atores em torno das prioridades de saúde, elas precisam fortalecer as conexões entre pesquisadores, gestores públicos, setor produtivo e as demandas da sociedade e da população que devem pautar as políticas públicas e a orientação estratégica da ciência, tecnologia e inovação. Para tanto, é necessário um outro padrão de política pública que seja sistêmico e que envolva uma articulação interministerial entre o campo social, da ciência, tecnologia e inovações e da economia, incluindo uma ação federativa na gestão de Políticas de PD&I, é um catalizador imprescindível.
É diante dessas questões tão desafiadoras que o webinário “Desafios da Ciência, Tecnologia e da Inovação para o SUS”, organizado pela Rede Nacional e Grupo de Pesquisa “Desenvolvimento Sustentável, CT&I e Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GPCEIS)” e promovido pelo do Centro de Estudos Estratégicos da Presidência da Fiocruz do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE/Fiocruz), discutirá os caminhos para aproximar a produção de conhecimento científico no Brasil das necessidades sociais, tendo a saúde como um campo privilegiado em termos dos desafios que representa e do conhecimento científico que se torna útil para uma visão mais ampla do vínculo da ciência com o bem-estar e a sustentabilidade ambiental.
Este webinário será pautado pela pesquisa apresentada no livro ‘Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação e os desafios de conexão com o SUS’. O livro trata da integração entre ciência e tecnologia com a saúde pública no Brasil tendo como pano de fundo as políticas do setor de CT&I em consonância com as políticas desse campo.
Convidamos a todos os segmentos da sociedade e da comunidade cientifica para participar desta discussão e a contribuir para pensarmos juntos um novo projeto de desenvolvimento no qual a ciência, a tecnologia e a inovação estejam de braços dados com as demandas das pessoas e da sustentabilidade de nosso planeta.
Carlos Gadelha é coordenador da Rede e Grupo de Pesquisa “Desenvolvimento Sustentável, CT&I e Complexo Econômico-Industrial da Saúde” (GPCEIS/CEE-ENSP/Fiocruz), e Patrícia Braga, pesquisadora do GPCEIS (CEE/Fiocruz), Patrícia Braga é pesquisadora do GPCEIS (CEE/Fiocruz)

