O Brasil é reconhecido por conter um patrimônio natural admirável pela sua biodiversidade e recursos naturais em seu solo, bacias hidrográficas e região marinha. Recursos estes que podem ser apropriados para o benefício da comunidade de forma sustentável e duradoura. Infelizmente, todo esse patrimônio e a coletividade estão ameaçados pela sobre-exploração, ganância, poluição, consumismo e consequentes mudanças climáticas.
A engenharia sempre teve um papel relevante na construção da infraestrutura nacional e nas demandas cotidianas da população na cidade, no campo e no litoral. Com o desenvolvimento, a engenharia se especializou e algumas de suas áreas têm interfaces intensas com a gestão socioambiental, tais como as engenharias ambiental, florestal, sanitária, agronômica, de minas e civil, mas todas devem dialogar de forma interdisciplinar com o meio ambiente e com os objetivos direcionados aos interesses da coletividade.
As comunidades científica e política manifestam uma situação de alarme sobre a crise ambiental e climática contemporânea; a atmosfera da Terra já atingiu o índice de mais de 400 partes por milhão (ppm) em gás carbônico, conforme dados apresentados nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC). Com muita frequência, as cidades e o campo apresentam qualidade do ar irrespirável, pela poluição urbana, incêndios florestais e eventos climáticos extremos, sendo os segmentos sociais vulneráveis os mais afetados.
A engenharia contribuiu e tem potencial para fazer muito mais para a superação desse quadro socioambiental crítico, por meio da inovação tecnológica, aliada à ciência, mas sobretudo com o engajamento nos esforços à adequação das políticas públicas e legítima transformação do atual modelo socioeconômico, rumo a um modelo inclusivo, justo e sustentável.
Adaptação, o novo desafio
De forma surpreendente, Aristóteles, já em seu “Ética a Nicômaco” (livro I, cap. 7, sec. IV, a.C.), tratava sobre a “autossuficiência”, deixando explícito que esta se estende aos mais próximos, aos mais distantes, às demais gerações e que “o homem [e a mulher] nasceu para a cidadania”. Sustentabilidade faz parte do nosso cotidiano, e aqui o concebemos nas suas dimensões social, econômica, ecológica, espacial e cultural, conforme nosso mestre e amigo Ignacy Sachs.
Tomamos como referência a Lei nº 14.904, de 27 de junho de 2024, que estabelece as diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima, com o objetivo de implementar medidas para reduzir a vulnerabilidade e a exposição a riscos dos sistemas ambiental, social, econômico e de infraestrutura diante dos efeitos adversos atuais e esperados, com fundamento na Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), em todos os âmbitos. É consenso para os ambientalistas que as medidas de mitigação e adaptação devem estar baseadas em soluções da natureza, prioritariamente, por serem menos impactantes quanto aos aspectos ambientais, econômicos e sociais.
A seguir, algumas soluções de mitigação e adaptação que já são usuais e podem ser aplicadas de forma generalizada, porém, dependem da tomada de decisões políticas, empresariais e da própria engenharia:
- A mudança tecnológica da atual matriz energética com a adoção de fontes de energia fotovoltaicas.
- A troca da frota de veículos movidos por combustíveis fósseis por veículos elétricos.
- A total coleta e tratamento de resíduos sólidos de forma seletiva, com tratamento exclusivo em aterros sanitários e coleta dos gases emitidos.
- A adesão à agricultura orgânica, pelo seu baixo impacto ambiental e econômico, que produz alimentos saudáveis, além de ser mais inclusiva.
- A Engenharia Florestal desempenha um papel vital pela complexidade do manejo florestal, especialmente no enfrentamento aos deslizamentos e incêndios florestais devastadores.
- É fundamental a conectividade entre engenharia, ciência, pesquisa e inovação.
O atual sistema socioeconômico é insustentável em todas as suas dimensões; a adaptação ao novo normal climático só será viável com a total mudança desse modelo, rumo a um modelo em que todas as dimensões do desenvolvimento tenham como base valores essenciais como a democracia, a inclusão social, a conservação dos ecossistemas e o enfrentamento e adaptação às graves consequências do aquecimento climático.
Moacir Bueno Arruda é biólogo, professor-doutor em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), diretor da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma), analista e consultor socioambiental independente
Ivan Carlos Maglio é engenheiro civil, doutor em saúde pública, pesquisador do Centro de Síntese Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e do Laboratório Verde da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da mesma instituição (LabVerde/FAU-USP)
Fotos: Acervo pessoal (Moacir Bueno Arruda) e Portal IEA-USP (Ivan Carlos Maglio) | Imagem: Freepik – Arte: Fábio Souza
Artigo publicado originalmente no Jornal do Engenheiro