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Acervo Jornal FNE


O retorno às atividades da Justiça do Trabalho, em 21 de janeiro último, foi marcado por um ato nacional articulado pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), com o apoio e adesão de diversas instituições. O objetivo foi destacar a importância desse foro “como um veículo de afirmação da cidadania e da democracia no País”, pontua o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Helder Santos Amorim. “Reunimo-nos nos pátios e nas portas dos fóruns trabalhistas em 41 cidades brasileiras”, comenta. O movimento foi realizado depois de declarações do presidente Jair Bolsonaro, dadas à imprensa no início deste ano, sobre a possibilidade de extinção desse ramo do Poder Judiciário que, segundo Amorim, é o que atende a parcela da população brasileira “mais carente e vulnerável, por isso, sempre foi uma justiça barata, célere e fácil de ingressar”.

Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano, a proposta da extinção é uma quimera do ponto de vista jurídico. Ele explica: “Não podemos imaginar que o Presidente da República, por sua iniciativa, possa suprimir um dos ramos do Poder Judiciário brasileiro como, aliás, está descrito no artigo 92 da Constituição Federal. É uma interferência indevida e inconstitucional de um poder na independência de outro.” Para ele, o que está por trás disso é o intuito de dificultar “a distribuição de direitos daqueles que vivem do trabalho para colocar o Brasil na rota dos países com farta exploração de mão de obra, atraindo, inclusive, o capital internacional predatório”.

Feliciano salienta que a Justiça do Trabalho tem atuado com grande sucesso em seus 75 anos de existência. Ela nasce, ensina, na década de 1930, inicialmente nos estados brasileiros e com uma experiência importante com os tribunais rurais no Estado de São Paulo, que se destinavam a resolver conflitos de trabalho no campo. Depois serão criadas, nacionalmente, as juntas de conciliação e julgamento, isso antes ainda da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é de 1943. “Ela passa a integrar o Poder Judiciário nacional com a Constituição de 1946. É uma das instituições mais longevas da história do Direito brasileiro, simbólica e que resistiu à ditadura e ao Estado Novo. Imaginar a sua supressão, na verdade, é admitir que se possa sacrificar um patrimônio institucional e jurídico do povo brasileiro e um verdadeiro marco civilizatório na história dos conflitos trabalhistas, individuais e coletivos do cenário brasileiro.”

O mito da indústria de ações

O assessor jurídico da FNE, Jonas da Costa Matos, também vê com preocupação essa ameaça de extinção da Justiça do Trabalho num momento de acentuada crise econômica, “em que há a premente necessidade de participação de um órgão imparcial para a resolução de conflitos entre capital e trabalho”. Ele lamenta, ainda, que tudo isso venha com base em informações falsas e distorcidas. Os dados oficiais, afirma, comprovam que os assuntos mais recorrentes entre as ações trabalhistas estão relacionados ao não pagamento de verbas rescisórias. “Não são processos ‘inventados’, como alguns querem fazer crer”, explicita. Amorim completa: “São verbas incontroversas, ou seja, é aquilo que o trabalhador tem direito de receber quando é demitido.”

O vice-presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor), Sérgio Murilo Rodrigues Lemos, também rebate o mito da “indústria de ações”. O relatório “Justiça em números”, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indica que “o Brasil tem em torno de 80 milhões de processos em andamento”. Lemos descreve: “Desses, quase 30 milhões são de execução fiscal, ou seja, o governo tentando receber os seus impostos; 10 milhões se referem a causas do direito do consumidor; 10 milhões são ações trabalhistas; e os demais 30 milhões envolvem assuntos dos mais diversos, desde os criminais às típicas contendas da Justiça comum.” Tal cenário, afirma Lemos, mostra que a Justiça é como um “porto seguro” para todos. “Não é possível dizer que o Judiciário deve acolher determinado segmento social e não outros tantos.”

Outra falácia presente no debate é a de que a Magistratura trabalhista só existiria no Brasil. “É outro mito que lançam contra a Justiça do Trabalho. Inglaterra, Nova Zelândia, Alemanha, Israel, França, Austrália, mesmo a Suécia e, aqui mais perto de nós, o México, o Chile, a Argentina e Paraguai são exemplos de países que possuem cortes judiciais especializadas na área do trabalho. Muitos outros países evidentemente mantêm estruturas similares à Justiça do Trabalho brasileira”, esclarece Lemos. Nos Estados Unidos, elucida, é comum a class action. “Ela é promovida, inicialmente, por uma pessoa ou um grupo pequeno de reclamantes, mas depois outros interessados podem aderir, e isso pode fazer com que chegue aos milhares.” A ação, todavia, “é contada como única, diferente da nossa tradição em que é preciso fazer o ajuizamento quase sempre de modo individual”.

Feliciano rebate ainda o argumento de que ter direitos trabalhistas ou uma estrutura judicial para a proteção deles seja um entrave ao desenvolvimento. Essa visão, pondera ele, desconhece os mecanismos de funcionamento da sociedade capitalista. “Um dos fundamentos da nossa economia é o do livre mercado. Existir um aparato como a Justiça do Trabalho é uma garantia de que o bom empresário não será prejudicado pela atuação desleal de seus concorrentes”, finaliza.

Confira a íntegra do “Justiça em Números”

 

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