O aplicativo Sora 2, que permite criar vídeos ultrarrealistas com o próprio rosto e o de outras pessoas, levou o perigo da desinformação a um novo patamar
“Qual é seu nome, soldado?! Tá me ouvindo?! Me fala seu nome, soldado!” Quem berra é um manifestante todo vestido de preto, encapuzado, o rosto vermelho de raiva. À sua frente, um militar em traje camuflado. Pelas imagens, tudo indica se tratar de um protesto contra a ocupação de cidades americanas por tropas federais, uma das marcas de Donald Trump neste segundo mandato. Impassível, o militar do vídeo tolera os gritos até que, numa reação rápida, aperta um spray de pimenta contra o rosto do jovem e responde enfim à pergunta. Seu nome? “Sargento Pimenta!”, ele grita. A gravação, que tem menos de dez segundos, viralizou pelo trocadilho esdrúxulo – em inglês, a graça de “Sergeant Pepper” não está apenas na referência ao spray, mas também no fato de que esse é o nome de um dos álbuns mais famosos dos Beatles.
A iluminação do flash, o enquadramento vertical, os giroflex da polícia no fundo da imagem, o movimento dos corpos – tudo é muito realista, como se a pessoa que filmou estivesse ali mesmo, num protesto noturno, com o celular em mãos, a poucos centímetros da gritaria. Mas um observador atento vai notar uma pequena marca d’água que passeia pela tela. A logomarca, uma criatura com um par de olhos fofos, ao lado do nome Sora, entrega a verdade: a cena foi toda criada por inteligência artificial.
O vídeo, intitulado the original sgt. pepper, foi postado no Instagram no dia 7 de outubro por Diego Galvão, um filmmaker especializado em IAs generativas. Dias depois, já somava mais de 70 milhões de visualizações e 60 mil comentários. Além da marca d’água aplicada sobre o vídeo, uma legenda irônica indicava o uso de inteligência artificial (“nenhum prompt foi ferido durante a produção desse vídeo IA”). Ainda assim, na caixa de comentários, grande parte dos usuários parecia não se dar conta de que estavam diante de algo falso e deixavam elogios entusiasmados ao sargento fictício.
A verossimilhança da cena é uma obra do Sora 2, um gerador de vídeos mais poderoso, realista e dispendioso que seu antecessor, o Sora. Ambos foram criados pela OpenAI, dona do ChatGPT e hoje a empresa privada com maior valor de mercado do mundo, estimado recentemente em 500 bilhões de dólares. Com performance mais elogiada que a dos geradores concorrentes, como Veo (Google) e Vibes (Meta), o aplicativo foi lançado no dia 30 de setembro deste ano tendo algumas restrições iniciais de acesso. Oficialmente, até o momento, só quem pode utilizá-lo são os habitantes dos Estados Unidos e do Canadá, pelo desktop ou pelo aplicativo de celular, disponível apenas para o sistema operacional iOS. Além disso, é preciso ter recebido um convite de outro usuário. Mas essas restrições não impediram que, em questão de dias, o Sora 2 se tornasse o aplicativo mais baixado na loja da Apple, superando a marca de 1 milhão de downloads mais rapidamente do que o ChatGPT.