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Apesar de a ferrovia ter registrado alguns avanços nos últimos anos, os gargalos no setor continuam. Um deles diz respeito à situação da mão de obra especializada, segundo Clarice Soraggi, diretora regional Sudeste da FNE e membro do Conselho Deliberativo da Associação de Engenheiros Ferroviários (Aenfer). Para ela, esse é o principal nó a ser desatado.

Atualmente, informa Soraggi, há 393 ferroviários ainda trabalhando na Valec e cedidos à Inventariança da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A, estatal dissolvida em 1999 e extinta em 2007). Desse número, em torno de 50 são engenheiros. “Ao longo desses anos, vêm sendo tratados com desrespeito. Índices oficiais de reajuste não são respeitados, acumulando aos dias de hoje um prejuízo de 60%. Os 13 primeiros níveis da nossa tabela possuem valores abaixo do salário mínimo nacional, uma ilegalidade. O piso da categoria, determinado pela Lei 4.950-A/66, não é cumprido”, lamenta.

O cenário, frisa, é de descaso e abandono. Sinais da herança nefasta do desmonte das ferrovias nos anos 1990, os problemas estão longe de ser sanados, como afirma Soraggi. “Houve redução gritante de engenheiros ferroviários com as concessões, em torno de 90% foram desligados. No geral, esse quadro se mantém. A incorporação no Acordo Coletivo de Trabalho da complementação de aposentadoria aos profissionais oriundos da Fepasa (Ferrovia Paulista S.A., incorporada em 1998 à RFFSA) é discutida todo ano com as empresas pelo Seesp (Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo). É sempre uma luta garantir índices dentro da inflação. A defasagem salarial alcança quase 40%”, informa Marcos Wanderley Ferreira, diretor do sindicato paulista e presidente da Federação das Associações de Engenheiros Ferroviários (Faef). De acordo com ele, nos últimos três anos, a categoria ficou sem reajuste e tem sido necessário recorrer à Justiça.

O alerta já havia sido feito pela FNE – juntamente com a Aenfer e a Faef –, por ocasião do lançamento pelo governo federal da segunda fase do Programa de Investimentos em Logística, em 9 de junho de 2015 – a primeira foi apresentada em 2012, e muito pouco saiu do papel. Observando um dos gargalos para tanto, a falta de pessoal capacitado para tocar os projetos, as entidades viram com preocupação que o PIL 2 também não dava atenção a isso. Recomendaram, assim, ser necessário investir na valorização do ferroviário. Além disso, pontuou Soraggi à época (confira em http://goo.gl/CQRL0h), “fomentar a criação de cursos de pós-gradua­ção lato sensu junto às universidades e às empresas”. Medida apontada pelas entidades ainda, cuja batalha segue na atualidade, é a aprovação do projeto de lei que caracteriza como essenciais e exclusivas de Estado as carreiras de engenheiro, inclusive agrônomo, e arquiteto no serviço público.

A expectativa positiva com relação ao PIL 2 vem dando lugar à descrença, pelo menos quanto à valorização profissional.

Modelo equivocado

A promessa é de R$ 86,4 bilhões em investimentos para construção e modernização de 7,5 mil km de ferrovias, via concessões à iniciativa privada, até 2018. Também são apontados problemas quanto à operacionalização e ao planejamento das ações previstas. “O que nos preocupa é o modelo escolhido, que permite que o patrimônio seja apenas cuidado corretivamente. A manutenção preventiva foi abolida, o que acarretará uma grande perda patrimonial. O Ministério dos Transportes e o Ministério Público já levantaram que a concessão, da forma que foi feita, ocasionou ao País uma perda de mais de R$ 40 bilhões”, afirma Soraggi.

Ela continua: “Com a concessão de toda a malha, a solução pode estar se tornando um problema. Nesse processo, os grandes conglomerados assumiram o controle das ferrovias, que são o meio de transporte dos seus insumos e produtos, e as transformaram em centro de custos dos seus negócios. Deixaram de lado uma visão mais abrangente do transporte ferroviário, como o modo capaz de promover a multimodalidade e captar as cargas mais apropriadas a esse modo (granelizáveis e em contêineres) e sua integração com o rodoviário e o aquaviário.” Além disso, ela observa que alguns permissionários não vêm cumprindo as metas de investimentos estabelecidas em seus contratos. “Apesar de eventuais restrições e da inexistência de indicadores de desempenho, têm obtido a renovação automática de seus contratos, antes do prazo que expiraria na próxima década”, salienta.

José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (FerroFrente), é categórico: “Infelizmente, o que se constata por todos os cantos do País não são fatos isolados, mas o resultado de políticas públicas muito mal elaboradas e pessimamente executadas. Afinal de contas, apesar de tanta promessa, o que se vê é o contínuo sucateamento dos dormentes, trilhos e vagões. Se, por um lado, os trens precisam de investimentos privados, por outro lado, o transporte sobre trilhos é de máximo interesse público. Não podemos, portanto, ficar na mão de duas ou três empresas.”