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No caso do Cerrado, brechas no Cadastro Ambiental Rural deixam o bioma ainda mais vulnerável, segundo novo estudo do WWF-Brasil

ChapadaProcessos de redução, recategorização e extinção de unidades de conservação  – conhecidos pela sigla em inglês PADDD (Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazetting) são cada vez mais frequentes ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Para detectar e dimensionar o tamanho do impactos desses processos, o WWF-Brasil, com apoio da Conservação Internacional, criou uma plataforma online - a PADDDTracker-Brasil. Ela indica que os biomas mais vulneráveis no Brasil são o Cerrado e a Amazônia.
 
De acordo com os dados da plataforma, 26 registros de PADDD foram observados no bioma somente nos últimos anos, sendo 13 de fato efetivados. A maior parte ocorreu em unidades de Conservação (UC) federais, com predomínio de parques – categorias de proteção integral devido à importância que têm para a biodiversidade, a água e o clima. Chama a atenção a recorrência desses em algumas UCs, como os parques nacionais do Araguaia, Canastra e Veadeiros. Os eventos e propostas mais frequentes foram: diminuição (16 casos); mudança de categoria (8) e extinção (2). A soma das áreas afetadas pelas propostas de PADDD alcança 34,5 mil km2.
 
Outro fator que agora pesa contra as áreas protegidas do Cerrado é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Como ele é autodeclaratório, sem a validação em campo torna-se mais um potencial instrumento de pressão sobre o bioma, dentro da lógica do “fato consumado” de quem quer ganhar com irregularidades ou usar de má fé na declaração das propriedades. Nessa brecha, as unidades de conservação podem ficar ainda mais vulneráveis: é o que revela um novo estudo do WWF-Brasil, que mapeia iniciativas que diminuem a proteção do Cerrado.
 
“Embora criado para ajudar na regularização ambiental e fundiária, o CAR pode gerar mais confusão se for implementado apenas parcialmente”, explica Mariana Napolitano, gerente do Programa de Ciências do WWF-Brasil. “A falta de adesão dos Estados localizados no bioma em validá-lo abre brechas para que proprietários particulares tentem registrar como suas as terras já destinadas à conservação e uso sustentável da biodiversidade”, completa.
 
O estudo identificou 3.344 propriedades rurais com sobreposição a unidades de conservação de proteção integral. Áreas de proteção integral como o Parque Nacional de Brasília e a Estação Ecológica de Uruçui-Una, por exemplo, possuem 82,76% (124 propriedades) e 81,55% (11 propriedades) de seu território sobrepostos por polígonos do CAR. O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, embora com um percentual de cobertura menor que as duas UC mencionadas acima, tem em seu interior sobreposição com 649 propriedades, segundo o CAR.
 
O primeiro caso de PADDD no Cerrado remonta a 1971, no Parque Nacional do Araguaia, no Tocantins. A diferença agora é a frequência cada vez maior que esses episódios passaram a ter. As propostas de PADDD são cada vez mais comuns na pauta do Congresso Nacional e das assembleias estaduais. A ameaça paira principalmente sobre áreas protegidas federais localizadas no bioma, o que não quer dizer que UC estaduais estejam livres de ameaças. A pressão vem desde a criação de assentamentos rurais, demanda por terra, desmatamento para expansão das atividades agropecuárias, industrialização e mineração.
 
Essencial para a segurança hídrica no Brasil, o Cerrado já teve mais da metade da sua vegetação nativa dizimada nas últimas décadas. Espécies únicas de animais e plantas foram perdidos para sempre sem que a Ciência sequer os tivesse identificados. Os remanescentes da savana mais rica em biodiversidade do planeta tombam de modo veloz em áreas de fronteira agrícola do Cerrado, como o Matopiba (região que pega um pedaço do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
  
Faltam critérios 

As alterações em limites e categorias de UC podem até ocorrer, explica Mariana Napolitano. Mas em casos excepcionais, especialmente para ajustes necessários decorrentes do processo de criação das UCs, em que possa haver ganhos reais para o meio ambiente, que facilitem o acesso ao uso sustentável dos recursos naturais e contribuam para o bem estar das populações locais, pondera a especialista. Segundo ela, em tais situações, a revisão de tamanho ou categoria das UC deveria seguir critérios técnicos que orientassem as leis para as mudanças necessárias.
 
“É o que estamos tentando estabelecer agora, já que temos um panorama mais completo. Há um padrão nos casos de PADDD que nos permite avançarmos para um protocolo que possa orientar as discussões. O que tem ocorrido, porém, é que as propostas de PADDD no Brasil são desprovidas de argumentos técnicos e científicos, movidas por interesses setoriais e, quase sempre, inconstitucionais. A maioria das propostas apresentadas submete as áreas protegidas a interesses privados, quando a Constituição estabelece que meio ambiente é um direito de todos”, explica.
 
Unidades de Conservação são essenciais para manter a biodiversidade, o regime hídrico, a segurança climática e os modos de vida de populações tradicionais, como indígenas, quilombolas e extrativistas. Para resistir à ofensiva de fragilizar as UC e o Snuc, é necessário conhecer as motivações nas propostas de PADDD, mapear as tendências de mudanças no uso do solo incentivadas por políticas públicas – ou pela falta delas – e manter ações articuladas de monitoramento e advocacy junto aos governos e parlamentos, orienta o estudo do WWF-Brasil.

WWF

Foto: WWF-Brasil/André Dib

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