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A população mundial deve crescer em dois bilhões de pessoas nos próximos 30 anos, passando dos atuais 7,7 bilhões de indivíduos para 9,7 bilhões em 2050, de acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado em junho deste ano. Junto à responsabilidade de aumentar a produtividade com olhos na sustentabilidade, a agricultura precisará enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, além de produzir alimentos com qualidade. Segundo especialistas ouvidos pelo Jornal da Ciência, o consumidor está cada vez mais atento e exigente com o que leva ao prato.

FernandoDiasSegundo o estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “Visão 2030 o Futuro da Agricultura Brasileira”, divulgado em maio de 2018, o protagonismo dos consumidores tende a ser liderado pelas classes com maior poder de compra. Ainda assim, análises mostram que consumidores brasileiros de classe média baixa também valorizam características dos alimentos que vão além do preço, tais como sabor e qualidade nutricional.

O agrônomo e presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Evaldo Vilela, explica que a exigência de uma produção mais sustentável, com o uso reduzido de insumos agrícolas, deve ser uma resposta ao protagonismo do consumidor que está muito mais atento ao comprometimento dos fabricantes em relação à responsabilidade ambiental. “O consumidor deseja, cada vez mais, produtos naturais, com qualidade. E, para isso, o setor terá de desenvolver mais tecnologias baseadas em ciência”.

Para Vilela, o poder individual das pessoas de influenciar as decisões da cadeia produtiva deriva de mudanças nos seus hábitos de consumo, que são resultantes de complexos movimentos econômicos, sociais, culturais e políticos. Ele explica que “para se ter produtos com qualidade, é necessário buscar processos de produção sustentáveis”: “É preciso encontrar também novos métodos de controle de pragas, que substituam gradualmente o uso de inseticidas ou agrotóxicos. Hoje as pessoas estão exigentes e não esperam mais o governo indicar se o produto é bom ou ruim. Elas mesmas vão atrás das informações. Muitas pessoas já fazem isso, e a tendência é que este costume aumente”, afirma.

Marcos Pena, supervisor da Rede de Observatórios da Embrapa, ressalta que, nas últimas décadas, o País passou de importador de alimentos para um dos mais importantes produtores e exportadores mundiais, alimentando aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas no mundo. “Para as próximas décadas, será uma questão primordial relacionar o planejamento estratégico das organizações públicas e privadas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), além de ficar atento aos principais sinais e tendências. Isso é imprescindível para definir o ambiente e o foco de atuação para os próximos anos no intuito de elevar ainda mais o protagonismo da agricultura brasileira.”

Ministro da Agricultura entre 1974 e 1979, Alysson Paolinelli, um dos responsáveis pelo processo de modernização da Embrapa na década de 1970, acredita que o Brasil tem condições de atender a essa demanda. “Temos condições, recursos naturais e não precisamos nem aumentar nosso espaço de área para fazer isso. Basta usar as tecnologias”. Paolinelli, que também é agrônomo, lembra que o sucesso da agricultura brasileira deve-se ao desenvolvimento da ciência e tecnologia no País.

Evaldo Vilela, que também é presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), explica que a agricultura brasileira poderia estar em um patamar tecnológico ainda mais avançado e amplo, pois a ciência produzida nas instituições nacionais permite esse salto de eficiência. “O problema é que cada instituição trabalha em seu ‘quadrado’. Não dispomos de uma rede para somar forças, que integre as pesquisas. É preciso criar um Plano Nacional de Sustentabilidade, para que a agricultura brasileira avance mais. Sem isso, continuaremos realizando coisas boas, mas pequenas e individuais”, explica

Segundo Vilela, o modelo de rede necessário já existe há dez anos em Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) que ficam nas Universidades Federais em Piracicaba (SP), Viçosa (MG) e Lavras (MG). “Já temos o modelo, agora precisamos ampliá-lo, revigorá-lo. Por exemplo, existe um INCT na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que é ótimo e poderia ser integrado para produzirmos ativos importantes para a agricultura”, exemplifica. O presidente do Confap enfatiza que a agricultura brasileira precisa avançar em ciência, tecnologia e inovação por uma questão de segurança e soberania nacional. “As pesquisas nessas áreas são realizadas por instituições públicas, entre elas, a Embrapa. Mas dependemos de insumos desenvolvidos pelas multinacionais. E essas grandes empresas realizam suas pesquisas lá fora e fazem adaptações aqui. Um dos exemplos são os transgênicos.”

Segundo Marcos Pena, da Embrapa, o setor privado investe abaixo de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro, que em 2018 somou R$ 6,8 trilhões, enquanto que o investimento público fica entre 1,7% a 1,9% por ano”, explica. Evaldo Vilela acrescenta que, no futuro, será preciso unir cada vez mais o agrônomo, os pesquisadores e as tecnologias digitais para ampliar a habilidade do setor em criar soluções, testar, analisar e facilitar a tomada de decisões nas lavouras. “O setor precisará de pessoas qualificadas, já que o mercado está bem vez mais exigente. Por isso, não basta ser apenas agrônomo. É preciso ter conhecimentos de outras áreas, como programação”, explica.

Já Paolinelli ressalta que para fazer uma agricultura natural/verde com qualidade será preciso também repensar a mão de obra e a importância do trabalhador rural. “O Brasil tem 5,2 milhões de proprietários do setor rural, e já conseguiu integrar ao processo produtivo cerca de 840 mil. Abre-se agora uma oportunidade ímpar de entrarmos em um mercado novo, que surge da agricultura sustentável. Oportunidade para que façamos as correções e possamos realmente nos tornar um país desenvolvido em agricultura, onde todos participam, onde haja uma verdadeira integração social”, afirmou Paolinelli, que é presidente do Instituto Fórum do Futuro.

Mudanças climáticas

O quinto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que desde 1950 já são observados efeitos do aquecimento global. E caso as emissões de gases do efeito estufa (GEE) continuem crescendo nos níveis atuais, a temperatura do planeta poderá aumentar cerca de 5,4ºC até 2100, segundo relatório da ONU. Com base nesses estudos, os especialistas afirmam que o setor já vem discutindo medidas para mitigar impactos negativos causados pelas mudanças do clima.

Segundo Marcos Pena, para o futuro será necessária a aplicação de conhecimentos e tecnologias que gerem inovações no setor agrícola e produzam uma agricultura sustentável. “Uma estratégia robusta de adaptação não pode prescindir de um planejamento de longo prazo focado no desenvolvimento de novos processos, práticas e produtos. Nesse contexto, novas cultivares, genes e sistemas produtivos, como Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), são capazes de amenizar danos potenciais”, explica.

Além de desenvolver tecnologias de adaptação e mitigação dos efeitos, o estudo “Visão 2030 o Futuro da Agricultura Brasileira”, aponta que a agricultura precisará efetivamente ampliar o uso do mix de ferramentas para obter impactos importantes na produção agrícola, na segurança alimentar, no comércio e na qualidade ambiental (ver box). O estudo foi discutido no seminário Alimento e Sociedade, realizado pelo Instituto Fórum do Futuro, nos dias 27 e 28 de novembro, em Brasília. “Será necessária uma convergência de tecnologias para enfrentar as mudanças futuras diante da escassez de recursos naturais e da maior demanda de alimentos apontada pelo setor”, conclui Pena.

Leia na íntegra na nova edição impressa do Jornal da Ciência “Existe Futuro?!”

Vivian Costa – Jornal da Ciência