Imprimir

A partir de 16 de agosto, quando teve início oficialmente a campanha eleitoral deste ano, visando o pleito que acontece em outubro próximo, os usuários da internet puderam notar a multiplicação de posts de diversos candidatos.

O fenômeno foi propiciado pela Lei nº 13.488/2017, que permite o impulsionamento nas redes sociais. Ou seja, o pagamento a plataformas como Facebook para garantir maior visibilidade de publicações. A legislação possibilita ainda aparecer em destaque em sites de busca, como Google. “Eles vão atingir, de maneira muito precisa, o público específico com o objetivo de modular ou conduzir o comportamento, a opinião das pessoas”, alerta o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), que integrou o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Pesquisador da área e autor do livro “Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais”, ele alerta para o risco de haver nesse processo “desinformação massiva”. A possibilidade aberta na disputa eleitoral deste ano, aponta Silveira, também tem o efeito de favorecer empresas estrangeiras e aquecer o mercado de dados. Neste cenário, o professor reputa “uma importância crucial” à Lei de Proteção de Dados (nº13.709), sancionada em 14 de agosto último.

Como funcionará a propaganda eleitoral paga nas redes sociais, que neste ano está liberada?
As redes sociais na internet adquiriram uma grande importância à discussão política, na formação da opinião pública. O grande problema é que elas são espaços privados, controlados por algoritmos que têm seus parâmetros definidos pelos donos das plataformas. Quando nós postamos nas redes, não sabemos quem verá; quem define é o algoritmo, que é opaco, não é conhecido pelos usuários. Essa falta de transparência é um problema ao processo democrático. Além disso, a lei define que é proibido propaganda na internet, exceto o impulsionamento de conteúdo, criando uma exceção para o poder econômico se manifestar. E nenhuma plataforma nacional trabalha com impulsionamento, que é um termo muito específico do Facebook. Então o poder econômico e as plataformas estrangeiras foram beneficiados.

Como deve ocorrer o uso dessa possibilidade aberta?
O candidato ou partido escolhe o público-alvo de acordo com o perfil de pessoas que ele considera adequado à campanha. Então, eles vão atingir, de maneira muito precisa, o público específico com o objetivo de modular ou conduzir o comportamento, a opinião. Muitos podem não perceber que é um link patrocinado. Na prática, isso prejudica candidatos autênticos, que não têm esquemas de financiamento, e beneficia as velhas raposas da política que têm dinheiro, pois o algoritmo não vai promover posts orgânicos, os não pagos, já que pela lei ele pode cobrar.

Como se dá essa manipulação de dados?
Existe já há um tempo o mercado de dados, estima-se que só o Facebook tenha 300 milhões de gigabytes de dados dos seus usuá­rios. São informações para a construção do perfil psicológico, comportamental, entre outros, para vender a quem quiser comprar.

É nesse contexto que entra a importância da Lei de Proteção de Dados?
Ela tem uma importância crucial, pois esclarece ao cidadão que os dados estão sendo coletados, que isso não pode ser feito sem o consentimento dele e estabelece ainda condições para que isso não seja feito de forma exagerada. Mas temos que aprimorá-la, temos que criar uma autoridade de dados e inserir elementos para defender um equilíbrio entre as empresas de informação ou que trabalham com dados pessoais e o interesse democrático social, a defesa dos direitos e garantias individuais. Não é a lei dos sonhos, mas é uma vitória grandiosa dos coletivos e ativistas digitais. Pessoas dizem não ligar para a privacidade, que quem não deve não teme, mas esse pensamento está errado. A democracia exige transparência ao Estado e privacidade ao cidadão, e há uma inversão total desse parâmetro.

Como os robôs, os replicadores automáticos que existem nas redes, entram nesse processo?
A maior parte da campanha eleitoral na rede não é feita diretamente pelo site ou página dos candidatos e dos partidos, mas por apoiadores, e aí que entra o batalhão de robôs. Eles dão a ideia de que um determinado debate ou candidato tem muito apoio, muito compartilhamento. Mas, na verdade, num primeiro momento, aquilo foi distribuído por mecanismos automatizados. Não há problemas com os robôs, existem muitos sites que usam chatbots com respostas programadas de questões simples, ou até os replicadores de campanhas públicas de saúde etc.. Mas na campanha eleitoral essa popularidade forjada é uma tentativa de enganar o eleitor.

Qual a orientação para que o eleitor evite ser desinformado ou mesmo enganado?
Sugiro a leitura da cartilha do Comitê Gestor da Internet (disponível aqui), que explica com linguagem acessível como as redes funcionam e dá dicas para, por exemplo, desconfiar de notícias espetaculares, mesmo que favoráveis a sua convicção. Isso é o que os setores que mais disseminam notícias falsas ou erradas trabalham, com a ideia de reforçar aquilo que você quer ouvir. Também é preciso checar a fonte, compreender se tem procedência segura. Se você se vincular a uma onda desinformativa, por mais que ela confirme a sua crença, estará ajudando a criar uma democracia sobre a mentira. E se compartilhar algo que depois venha a descobrir que é equivocado, fale que errou!

Leia versão completa