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Diante da forte rejeição dos trabalhadores e pressão junto a parlamentares, o Governo Temer não teve outra alternativa senão recuar na tentativa de aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, relativa à reforma da Previdência. Vitória que se expressou em mobilização e protestos organizados das centrais sindicais no País no dia 19 de fevereiro, sob clamores como “Quero aposentar!”.

Sem reconhecer a derrota, o Executivo Federal utilizou, na visão do diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, “artifício que teria o mesmo efeito que a reforma: assegurar apoio do mercado para seguir até o final de seu mandato”. Assim, em 16 de fevereiro, três dias antes da data anunciada para votação da PEC na Câmara dos Deputados, publicou no Diário Oficial da União decreto de intervenção federal no estado do Rio de Janeiro até 31 de dezembro próximo – aprovado pelo Plenário do Senado Federal no dia 20 do mesmo mês.

Até então, o governo federal não havia obtido os 308 votos suficientes para aprovação da proposta no Congresso Nacional. Tentou, inclusive, sem sucesso, amenizar os impactos da reforma, ao apresentar em 22 de novembro último Emenda Aglutinativa à PEC. Conforme o Diap, porém, sem alterar a essência das mudanças, em prejuízo dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e servidores públicos. “O governo anuncia a redução do tempo mínimo de contribuição de 25 anos para 15 anos, de forma a manter a regra atual. Mas isso somente se aplica ao RGPS. Os servidores seguem com a exigência de 25 anos de contribuição, prevista na PEC original, o que resulta discriminatório e anti-isonômico, dado que estamos falando de regras para ambos os segmentos fazerem jus ao mesmo tipo de benefício (aposentadoria até o teto do RGPS)”, destaca a análise feita pelo órgão (confira na íntegra em https://goo.gl/43DEjv).

Com o pretexto ideal – já que não podem ser feitas alterações constitucionais enquanto vigorar a intervenção federal –, a reforma da Previdência está fora da agenda. Em face disso, ele é categórico: “Pelo menos até a posse do próximo Presidente da República, não há risco de deliberação sobre reforma da Previdência. A tendência de perder a votação e a proximidade das eleições são impeditivos.” Na sua análise, dificilmente o tema seria tratado no âmbito infraconstitucional, alterando-se leis ordinárias – a única possibilidade após o artifício utilizado. “O Congresso é refratário a essa ideia.”

Ação fundamental

De acordo com Toninho, a luta dos trabalhadores foi determinante para enterrar a reforma da Previdência na atual Legislatura. “Particularmente duas categorias que seriam bastante afetadas tiveram papel fundamental: servidores públicos e trabalhadores rurais.” Juntamente com as demais, realizaram panfletagens em locais públicos e pressão junto a parlamentares em Brasília. “Funcionou muito bem a publicação em outdoors e em portais na internet da intenção de votos de cada um. Também circulavam a informação em carros de som nas bases eleitorais dos parlamentares.” Essa ação, somada ao esclarecimento à sociedade sobre o conteúdo perverso da reforma, que retiraria direitos conquistados, garantiu o resultado.

Um dos pontos atacados foi a falácia da retórica oficial de déficit da Previdência – a qual vem sendo apontada há tempos pela Associação e Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip/Sindifisco). Elaborada pelas entidades, cartilha demonstrou, por exemplo, que a alegada falta de recursos para o custeio dos benefícios não se confirmava. Entre outros pontos, o texto esclarece que metade do valor que o governo alega que seria déficit equivale a renúncias e incentivos fiscais. Também informa que dívidas da Previdência, em especial de grandes empresas, que representam valores elevados, raramente são cobradas. Ainda na cartilha, as organizações indicam que “o governo lança como despesa previdenciária parcelas que não possuem essa natureza e deveriam ser custeadas diretamente pelo orçamento da União, não pelos recursos da Seguridade Social” (confira o documento na íntegra em https://goo.gl/fpBAHY).

Outra iniciativa importante foi o apoio de diversas entidades nacionais de magistrados do trabalho, membros do Ministério Público, auditores, atuá­rios e aposentados à luta. Divulgaram em nota no dia 2 de fevereiro chamado a mobilização contra o que denominaram “retrocessos praticados pela PEC 287/2016”, denunciando inconstitucionalidades e reforçando questionamento quanto ao argumento de déficit da Previdência. Entre as medidas em prejuízo da sociedade brasileira, o texto cita a “arbitrária supressão dos regimes de transição em detrimento de quem, já estando vinculado a um regime de previdência pública, tenha menos de 45/50 anos à época da promulgação da emenda”. Além da proposta de igualar as idades mínimas de homens e mulheres para a aposentadoria, “esquecendo-se da condição real da mulher, ainda hoje desprivilegiada no mercado de trabalho”.

A despeito da vitória, Toninho alerta que não se pode baixar a guarda. O Executivo tentará cobrir sua agenda neoliberal com cortes em áreas sociais e entrega do patrimônio público à iniciativa privada. Na mira, por exemplo, a Eletrobras. “Não abandonou a fúria fiscal de redução do orçamento e tamanho do Estado. É mister, neste cenário, que as forças que defendem projeto inclusivo e de valorização do trabalho sigam mobilizadas.”