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Há 32 anos na luta pela proibição da fibra cancerígena que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mata 107 mil pessoas ao ano em todo o mundo, a engenheira Fernanda Giannasi, enfim, pode comemorar: “O amianto está banido no Brasil.”

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 29 de novembro último, proibiu definitivamente em todo o território nacional a produção, comercialização e uso do amianto do tipo crisotila, material usado na fabricação de telhas e caixas d’água. “É um marco histórico”, exaltou Giannasi.

Ao longo dessas três décadas, conforme ela, houve uma construção social que buscou aliados, organizou as vítimas e os seus familiares em entidades, como a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) ou junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que mantém,  desde 2012, o Programa Nacional de Banimento do Amianto. Por isso, ela faz questão de ressaltar que foi uma “vitória incontestável num momento político de imenso retrocesso”. “É um farol no oceano ou uma luz no meio de um mar de lamas.”

“A morte pela contaminação do amianto é dolorosa, é desumana”, enfatiza Giannasi, ex-auditora do Ministério do Trabalho, que assistiu de perto o sofrimento das vítimas, cujo número exato é desconhecido. “Temos uma invisibilidade social, uma subnotificação, inclusive intencional, porque as empresas estabeleceram acordos extrajudiciais para que isso não gerasse estatísticas, para que elas não incriminassem os seus produtos”, relata ela. Mesmo assim, entre 1980 e 2010, de acordo com informações do Sistema Único de Saúde (SUS), foram identificados mais de 3.700 óbitos por mesotelioma no Brasil. “Esse tipo de câncer traz a impressão digital do amianto, pois somente pode ser provocado pela fibra”, informa o procurador do Trabalho Luciano Leivas, que ingressou com uma das primeiras ações no País contra empresas do ramo. A doença atinge a pleura, membrana que reveste o pulmão; o peritônio, que reveste o abdômen; e o pericárdio, que reveste o coração.

Além disso, lembra Giannasi, o amianto causa câncer em órgãos como laringe,  ovário e no aparelho digestivo. Há ainda a asbestose, fibrose que faz com que o pulmão perca a elasticidade progressivamente e leva ao óbito por asfixia. “Temos essas duas situações: aquela da morte que tem a progressão da incapacidade, irreversivelmente, e o câncer que leva muito tempo para se manifestar, mas quando é diagnosticado, a sobrevida não passa de um ano e aí é de um sofrimento atroz, porque não existe nenhum tratamento, nem medidas paliativas aplacam a dor de um câncer de pleura”, relata a engenheira.

Uso disseminado

Segundo dados da OMS, atualmente a produção com amianto é proibida em mais de 60 países. O primeiro a banir o uso do asbesto foi a Finlândia, em 1982, seguido pela Itália, em 1992, e pelo restante da União Europeia em 1999. “Entre os países desenvolvidos, o que mantém a utilização dessa fibra são os Estados Unidos”, informa Giannasi.

No Brasil, o mineral é usado em diversos setores produtivos, mas basicamente na construção civil, tendo à frente os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Minas Gerais e Bahia, mas está em todo o País.  “Diria que 95% do uso do amianto, em território nacional, se deu em telhas, mas também em divisórias, pisos falsos, placas lisas para porta corta-fogo. Encontrei até em caixa de descarga, bebedouros para pássaros, tanques de lavar roupa e em escorregadores de parques infantis”, relaciona Giannasi. A maciça aplicação do material, que já foi considerado o “mineral mágico”, deve-se ao baixo custo e à versatilidade. Todavia, explica a engenheira, as descobertas e os estudos epidemiológicos mostraram o adoecimento de trabalhadores e familiares – pelo contato com os uniformes sujos –, daí o amianto ganhou o título de fibra assassina e o Senado francês classificou-o como a “catástrofe sanitária do século XX”.

Urgência pública

Giannasi explana que o mineral é um risco além das portas das fábricas, porque é um aerodispersóide, ou seja, leve e que se dispersa. “Por isso, temos casos de familiares de trabalhadores, de moradores do entorno dessas empresas e até de consumidores contaminados. Portanto, é um problema de saúde pública. É uma urgência sanitária. Estamos falando de uma catástrofe.”

O desafio agora, segundo a especialista, é exigir que o governo federal e os ministérios do Trabalho e da Saúde tenham vigilância permanente e formulem um programa na área de saúde para atender aos contaminados. “Digo que, por baixo, o SUS tem 1 milhão de pessoas que foram expostas e devem ser acompanhadas por até, no mínimo, 30 anos, para se diagnosticar qualquer tipo de doença relacionada ao amianto”, adverte. Ela prossegue: “Temos também o desafio da ‘desamiantização’ com normas rígidas, como as dos países da Europa. Tudo precisa ser pensando de forma rigorosa, até porque não temos local para armazenar tanto lixo. É uma verdadeira operação de guerra”, classifica.

Nessa fase, Giannasi destaca o papel dos engenheiros, “até porque tivemos morte desses profissionais com mesotelioma”. “É fundamental que o Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) fiscalize as atividades dos profissionais que porventura estejam desavisados sobre a questão e ainda prescrevam estruturas com esse material”, aponta. E completa: “A nossa categoria tem um papel fundamental na divulgação e nas escolas de engenharia para avançar nesses esclarecimentos.” A engenheira observa que são várias as alternativas ao cancerígeno amianto, como o polipropileno, a volastonita, as fibras aramidas e de vidro, o PVA e as telhas cerâmica, de plástico, metálica e de concreto. Ela defende: “O conhecimento e as tecnologias atuais não justificam a presença desse mineral entre nós.”