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O sertão não está condenado à fome. Essa é a conclusão de especialistas que vêm se dedicando a buscar soluções para o problema que aflige as regiões semiáridas e subúmidas secas, notadamente no Nordeste brasileiro. Na IV Reunião Nordestina de Ciência do Solo (IVRNCS), realizada entre 27 e 30 de novembro último, em Teresina (PI), ficou demonstrado que técnicas de agricultura plenamente conhecidas e não mais onerosas que o padrão podem garantir a recuperação do solo e a produção em locais atingidos pela desertificação.

Um dos exemplos foi dado pelo agrônomo Adeodato Ari Cavalcante Salviano, professor de pós-graduação da Universidade Federal do Piauí, que atua em um dos núcleos de desertificação do País, em Gilbués, Piauí, desde 1997. Em 2003 ele iniciou práticas para recuperação da área. Essas incluíram plantio em nível, aração profunda, terraceamento, seccionamento de sulcos em contorno ou voçorocas (para não deixar a água escorrer) e adubação química (ou mineral). A partir daí, houve o cultivo de milho numa área de 33 hectares. Em 2010 obteve-se colheita de 6.500 quilos de milho por hectare. “Não houve nenhuma técnica fora do usual do que a agronomia recomenda em qualquer outra região do País. Quando se criam condições de fazer a recuperação, o custo de produção agrícola é equivalente ao praticado”, testemunha. Salviano, que preside a Fundação Agente, enfatiza ainda que “o solo é tão bom que nem correção precisa, só adubação orgânica. É o melhor que eu já conheci”.

Já na década de 1980 a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) fez um zoneamento agroecológico que identificou 110 variáveis de semiárido. Atualmente a instituição disponibiliza mais de 30 tecnologias para recuperação do solo, o que se dá no período de dez a 20 anos, dependendo do nível de degradação.

Causas

Nas regiões sujeitas ao problema, a desertificação é antecedida pelo desmatamento. Esse, por sua vez, é causado pelo uso predatório dos recursos naturais pelas populações locais, altamente dependentes da caatinga (vegetação predominante). Em geral pratica-se pecuária com pastoreio de animais de grande porte em pequenas propriedades e agricultura de subsistência, sem adubação, sistemas de manejo ou conservação do solo, com derrubada da vegetação para aproveitamento da lenha e queimadas.

Segundo definição contida na Convenção Mundial de Luta Contra a Desertificação, do final da década de 1970, as Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASDs) compreendem uma extensão de terra que ocupa parte dos estados do Maranhão (mesmo com seu clima tropical), Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Alagoas, Sergipe, Bahia e alguns municípios no norte do Espírito Santo e de Minas Gerais, totalizando cerca de 15% do território brasileiro – uma área de 1.340.000km² e população de 35 milhões de habitantes, segundo o Censo de 2010.

Com base em estudos da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), cerca de 5% dessas ASDs (70.279km2) já estão muito afetadas pela desertificação, sendo os estados mais comprometidos Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

Os núcleos de desertificação foram catalogados na década de 1970 pelo professor João Vasconcelos Sobrinho, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. São eles: Gilbués, extremo sul do Piauí; Irauçuba, no Ceará; Ceridó, no Rio Grande do Norte e Paraíba; Cabroró, em Pernambuco; Cariris Velho, no sudoeste da Chapada da Borborema paraibana; e Sertão do São Francisco, na Bahia.

A ausência da cobertura vegetal nesses locais gera uma perda da biodiversidade do solo composta por micro-organismos como fungos e bactérias. Esse fenômeno, associado a intensos processos erosivos, tem agravado mais as condições nos últimos 30 anos. “Praticamente a vegetação não consegue mais se estabelecer. Os solos estão descobertos e vulneráveis aos ventos na época de secas, o que acelera o processo de erosão. Em períodos de chuvas muito intensas, há erosões hídricas. Com isso, perdem a capacidade de permeabilidade e retenção de água, o que favorece as enxurradas”, afirma o engenheiro agrônomo Júlio César Azevedo Nóbrega, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

O Brasil aderiu aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que preveem ações de combate à desertificação. Em 2015 instituiu-se a Política Nacional de Combate à Desertificação (Lei nº 13.153). Segundo o Ministério do Meio Ambiente, está em andamento projeto denominado Unidade de Recuperação de Áreas Degradadas (Urad) que pretende iniciar um monitoramento via satélite e introduzir técnicas de agricultura simples e eficazes de conservação do solo, como as adotadas em Gilbués. Até agora, as Urads, que preveem ações de baixo custo para recuperação do solo, água e biodiversidade, como pequenas barragens e cordões de pedra para sustentar o solo, existem somente em Canindé do São Francisco e Poço Redondo, regiões de Sergipe.

Saiba mais: https://www.embrapa.br/semiarido