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O polêmico Projeto de Lei 4.302, enviado ao Congresso Nacional em 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi – após 19 anos e sem levar em consideração as contestações do movimento sindical – aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados em 22 de março último, por 231 votos a 188. Até o fechamento desta edição, o texto aguardava sanção presidencial. Uma das entidades que estiveram à frente da luta contra a matéria que regulamenta a terceirização nas atividades meio e fim, na iniciativa privada e no serviço público foi a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Para seu presidente, Germano Silveira de Siqueira, a medida significará o rebaixamento de salários e condições laborais dos trabalhadores brasileiros. “Hoje são 12 milhões de terceirizados, contra 35 milhões de contratados diretamente, números que podem ser invertidos com a aprovação desse texto. Caminhamos para o empobrecimento do País.”

O deputado Laércio Oliveira (SD-SE), relator do PL, em discurso na Câmara, desafiou os opositores a apontarem qual seria a retirada de direitos causada pela aprovação da proposta. Como responder a ele?
É fácil, basta ele ver o contracheque do terceirizado e confrontar com o de um trabalhador direto. Ele constatará que a perda de salário geralmente é entre 20% e 30%. Além disso, de cada dez acidentes laborais oito envolvem esses empregados. Isso já não é o suficiente para mostrar ao deputado o quanto os trabalhadores perdem? Mas podemos dizer mais: o terceirizado costuma trabalhar três horas a mais em relação ao contratado direto e é submetido a uma taxa elevada de rotatividade. Fica, em média, 2,7 anos no emprego intermediado, enquanto os contratados permanentes ficam em seus postos de trabalho, em média, por 5,8 anos.

Outro argumento é que o PL vai gerar empregos.
Isso não é verdade. Ele pode gerar, no máximo, subemprego. Até por conta do que eu já falei. Aliás, esse projeto não está só. Daqui a pouco, o Congresso pretende aprovar o contrato do trabalho intermitente (Projeto de Lei do Senado nº 218/2016, de Ricardo Ferraço, do PSDB-ES), que é terrível. O profissional fica registrado na empresa, não pode trabalhar para concorrentes e só trabalha quando é chamado. E é remunerado por essas horas. Ao longo de um mês, ele pode ser chamado apenas 20, 40 ou 50 horas, recebendo meio salário ou um quarto. É a precarização completa do trabalho.

Qual Brasil está sendo construído a partir dessas mudanças?
Um país que não foi o pensado pela Constituição de 1988. À época, a preocupação era termos um estado de bem-estar social. Estamos desmontando isso e colocando um futuro comprometido. Todos serão prejudicados, dos trabalhadores às próprias empresas. Esse empobrecimento, que virá a curto e médio prazos, vai afetar o mercado de consumo. Vai impactar diretamente na economia nacional, na arrecadação de tributos em todos os níveis de governo, dos municípios à União.

A matéria é inconstitucional?
Totalmente, porque ela fere a valorização do trabalho e o princípio da dignidade humana. O que estamos vendo é que estão rasgando muitas leis, como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas principalmente a Constituição, as regras de proteção ao trabalho.

Há alguma categoria ou função a salvo dessa terceirização indiscriminada?
Eles “salvaram” os vigilantes porque esses têm regras próprias. Os demais profissionais, inclusive os engenheiros, estão na mira desse modelo aprovado pela Câmara.

Outro discurso em defesa do PL 4.302 é que ele aumenta a produtividade e competitividade.
Competitividade e produtividade têm a ver com coisas completamente opostas ao que está colocado no projeto aprovado. Produtividade tem a ver com educação, formação, investimentos em infraestrutura. Degradação do trabalho humano não gera riqueza. Nunca vi um trabalhador mal remunerado ficar mais produtivo. Então alguém que recebia R$ 2 mil ao passar a receber R$ 1.400 fica mais estimulado? Eu queria, sinceramente, saber qual é essa mágica. E competitividade apenas pelo rebaixamento da folha salarial não existe. Vai gerar, muito provavelmente, um passivo trabalhista maior. Estão plantando uma “bomba”.

O Direito do Trabalho está sob ataque?
Sim, e não tenho dúvida que é uma ação de caráter ideológico. Tenho chamado isso de “movimento neopatrimonialista” dentro do Parlamento. Geralmente quem é contra a Justiça do Trabalho defende uma causa própria, porque tem uma empresa nos tribunais trabalhistas e quer levar para dentro do Legislativo projetos para aliviar os seus próprios problemas. Ou seja, confundem o público com o privado. Não vejo esses parlamentares, tão falastrões, defendendo a causa ou a vida do seu eleitor.

O momento é grave?
Sem dúvida nenhuma. Somos um país ainda atrasado e completamente desigual. No discurso em defesa de outra reforma, a da Previdência (Proposta de Emenda à Constituição 287/16), fala-se muito que a expectativa de vida do brasileiro aumentou bastante. Mas não se fala, por exemplo, que na capital paulista a expectativa de vida pode mudar drasticamente de uma região para outra: num bairro mais nobre essa gira em torno de 80 anos de idade, e no outro mais empobrecido ela é 30 anos menor. O Brasil é de uma desigualdade absurda. Então, é paranoico falar em terceirização ampla e irrestrita nesse modelo que temos. É uma das experiências mais tormentosas que estamos vivendo.