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O ingresso de mulheres na engenharia, em dez anos, passou de 24.554 em 2003 para 57.022 em 2013, indicando um crescimento de 132,2%. No mesmo período, a inserção masculina ampliou-se em 78,3%. É o que aponta estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para a FNE, apresentado em outubro do ano passado. O cenário se deu, explica o presidente Murilo Celso de Campos Pinheiro, durante o ciclo virtuoso para a engenharia do País e é notícia alvissareira de “uma maior igualdade de gênero na profissão”.

Todavia, a área ainda tem a predominância masculina, com 79,2% ante 20,8% de mulheres. Para a diretora Regional Norte da federação, Maria Odinéa Melo Santos Ribeiro, os números refletem uma cultura dos estereótipos de gênero, segundo a qual a habilidade técnica não é coisa para mulher.

Clarice Maria de Aquino Soraggi, diretora Regional Sudeste da FNE, enfrentou dificuldades ao optar pela carreira. “Há 42 anos, sofri muito preconceito”, relata a engenheira mecânica graduada em 1974. No entanto, os obstáculos foram devidamente superados: “Não desisti do sonho de ser engenheira. Trabalhei na área petroquímica e depois no setor ferroviário, onde, posso dizer, alcancei minha realização profissional.”

Embora a mentalidade retrógrada persista no mundo contemporâneo, ela é rechaçada por quem está disposto a ocupar todos os espaços na sociedade. É o caso da estudante de Engenharia de Inovação Juliana Akai. Aluna do Instituto Superior de Inovação e Tecnologia (Isitec), ela não tem dúvida de que as mulheres são “donas de si” e estão libertando-se dos pensamentos e atitudes machistas.

Adrielle Mikaelle Silva da Costa, que cursa Engenharia Civil no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam), destaca as conquistas femininas nos últimos anos. Para ela, a pecha de “sexo frágil” vem ficando pelo caminho.  “Somos capazes de atuar em campo onde há predominância masculina, com racionalidade, equilíbrio e inteligência intelectual”, defende.

Discriminação sutil

A professora de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Bárbara Castro, alerta porém para a discriminação menos escancarada. “O mundo do trabalho não é neutro na questão de gênero. Ao contrário, ele é altamente marcado pelas características ditas naturais do homem, que não têm no seu horizonte a maternidade”, explica. “Por isso, muitas vezes a profissional é excluída de cargos de direção, gerência e coordenação”, critica.

Tal situação é bastante real na opinião  da diretora de Relações Institucionais da FNE, Thereza Neumann Santos de Freitas. “Pelo fato de ser mulher, existe a maternidade e um tratamento apropriado em termos de legislação trabalhista. Isso vai refletir no salário e nas oportunidades dentro de uma empresa”, testemunha.

A diretora de Relações Internas da federação, Maria de Fátima Ribeiro Có, diz não ter enfrentado preconceitos no exercício da atividade profissional. “As discriminações que senti combati na hora; as relações ficaram tranquilas e respeitosas.” Contudo, ela percebe uma “demarcação” de território na engenharia e arrisca avaliar que isso se deve a condicionamentos educacionais e culturais. “Lá na escola, no livro em que você aprende matemática, por exemplo, sempre tem a foto de um homem ou de um menino fazendo contas, nunca de uma menina.”

Kamila Barros Bonfim, engenheira ambiental de Mato Grosso e diretora do Senge-MT, acredita que a inserção das mulheres na engenharia se deve, também, ao surgimento de novos cursos na área. Apesar disso, diz, “ainda enfrentamos resistência de gênero, por sermos mais emocionais e mães”.

A professora da Unicamp confirma tal percepção, apontando divisão tácita no ambiente de trabalho entre o que seriam características masculinas e femininas. “Às mulheres cabem habilidades que se pensam como naturais ao feminino, ligadas ao ambiente doméstico, como ser mais emotiva, delicada, atenta aos detalhes e que estejam sempre prontas a cuidar do outro.” Não há nenhum problema em ser assim ou não, mas muitas vezes tal perfil torna a mulher invisibilizada e vista como incapaz de discutir e ter uma intervenção mais técnica e menos emocional. “Por outro lado, o que se espera é que os homens sejam mais racionais e proativos.”

Castro explica que o discurso de que a mulher consegue desenvolver várias atividades ao mesmo tempo é uma maneira de a profissional se empoderar dentro desses espaços. “Como elas são poucas ainda e atropeladas o tempo inteiro, o que acontece é destacar características que são vistas como naturalmente femininas como uma vantagem, por isso esse discurso da polivalência aparece sempre com muita força.” Mas há que se ter cuidado com isso, adverte a professora: “Sem perceber, reproduzimos estereótipos de gênero que nos empurram para determinados nichos da profissão e impedem ascender num plano de carreira.”

Lutar para mudar

Para a pesquisadora da Unicamp, as profissionais devem desconstruir a ideia do que é trabalho ou habilidade nata de homem ou de mulher. “É preciso aprender a valorizar o ‘fazer’ do outro independentemente de gênero e partilhar dúvidas, decisões e conquistas.” Nesse sentido, Thereza Freitas incentiva as mulheres a não se calarem frente a qualquer tipo de assédio ou discriminação e procurarem seus direitos. Na opinião da dirigente,  deve-se atuar na luta pela valorização profissional no lugar certo, que é o  sindicato.

Para Odinéa Ribeiro, enfrentar desafios é agenda prioritária, até porque a batalha feminina por igualdade não beneficia apenas as mulheres. “A nossa luta ajuda a sociedade a ser melhor”, conclui.

Rosângela Ribeiro Gil