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Mesmo havendo consenso na sociedade e no Parlamento sobre a necessidade e até urgência de uma reforma política, não há acordo entre os atores políticos sobre o conteúdo ou melhor desenho. As disputas e os interesses envolvidos impedem a formação de maioria capaz de promover mudanças estruturais nos sistemas eleitoral e partidário

A sociedade reclama do Congresso Nacional mudanças nas regras para a distribuição do poder entre os sujeitos do processo político, com o objetivo de resgatar a credibilidade do sistema representativo e fortalecer mecanismos de democracia direta e participativa.

No sistema representativo, a ideia é aproximar os representantes dos representados, promover equilíbrio na disputa eleitoral, dar consistência programática e ideológica aos partidos, combater a corrupção e propor um modelo de financiamento que reduza a influência do poder econômico nas eleições.

Na democracia direta e participativa, o interesse é ampliar e fortalecer os mecanismos de consulta popular (plebiscito e referendo), facilitar a participação e a iniciativa popular (apresentação de projetos de leis e emendas à Constituição), bem como democratizar a informação e a comunicação, inclusive com a ampliação da transparência no Poder Judiciário.

Entretanto, mesmo havendo consenso na sociedade e no Parlamento sobre a necessidade e até urgência de uma reforma política, não há acordo entre os atores políticos sobre o conteúdo ou melhor desenho. As disputas e os interesses envolvidos impedem a formação de maioria capaz de promover mudanças estruturais nos sistemas eleitoral e partidário.

A Câmara e o Senado correm contra o tempo para aprovar mudanças que possam vigorar já para o pleito de 2018 – e têm prazo até final de setembro –, mas a desconfiança de que as mudanças possam favorecer ou proteger os atuais detentores de mandato pode contaminar iniciativas fundamentais para revigorar o sistema político, como o sistema de lista fechada, o financiamento público de campanha e a adoção da federação de partidos em substituição às coligações nas eleições proporcionais.

Setores contrários a esses aperfeiçoamentos começam a espalhar na imprensa notícias de que os parlamentares pretendem aproveitar a reforma para anistiar o caixa dois, fechar a lista para evitar punições individuais dos eleitores, colocando seus nomes entre os primeiros da lista preordenada, e garantir o foro privilegiado, envenenando a população contra mudanças estruturais nos sistemas eleitorais e partidários.

O relator da Comissão Especial da Reforma Política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), apresentou um parecer preliminar com suas propostas, e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 282/2016, que veio do Senado Federal e aguarda deliberação na Câmara dos Deputados.

O texto do relator Vicente Cândido propõe alterações em leis e na Constituição, tais como:
i) o voto em lista fechada, preordenada por partido, nas eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores) de 2018 a 2022, com alternância de gênero;
ii) implantação do sistema distrital misto a partir da eleição de 2026, com metade sendo votado no sistema proporcional na lista e metade no sistema majoritário, nos distritos;
iii) criação do fundo eleitoral, destinado exclusivamente ao financiamento das campanhas eleitorais, com destinação de 70% para a eleição dos cargos do Poder Executivo e 30% para as eleições para o Legislativo;
iv) simplificação de apresentação de convocação de plebiscito e referendo por parlamentares e de proposta de iniciativa popular (proposições pela sociedade);
v) extinção da reeleição para o Poder Executivo, mandato de cinco anos e fim da figura dos vices no Executivo;
vi) eleições em datas diferentes para o Legislativo e para o Executivo; e
viii) proibição de coligações nas eleições proporcionais.

A PEC 282/2016, por sua vez, propõe seis importantes mudanças no sistema representativo brasileiro, dispondo sobre:
a) o fim das coligações nas eleições proporcionais;
b) a instituição da cláusula de barreira;
c) a adoção do funcionamento parlamentar;
d) o direito dos eleitos;
e) a fidelidade partidária; e
f) a criação da federação de partidos.

Com 28 agremiações partidárias com representação no Congresso, sendo a quase totalidade de pequeno e médio portes, dificilmente se aprovam mudanças que limitem ou reduzam o número de partidos, como o fim da coligação nas eleições proporcionais e a cláusula da barreira, especialmente se dependerem, como efetivamente dependem, de quórum qualificado de três quintos. A rejeição a essas e outras mudanças estruturais em 2015 já dá uma ideia da dificuldade nessa nova tentativa, na atual legislatura.

Toda a atenção deve ser dada a esse tema, porque as forças conservadoras pretendem votar um desenho de reforma que impeça ou dificulte o retorno dos partidos de esquerda ao poder. Por isso é fundamental uma vigilância permanente em relação às proposições que serão submetidas a voto. O fato de o relator, pelo menos na comissão especial, pertencer ao PT é importante, mas insuficiente para evitar a votação e aprovação de destaques casuísticos ou que contrariem os interesses da sociedade.

O que não pode acontecer, em hipótese alguma, é promover mudanças que, em lugar de avançar no resgate da política e da representatividade do sistema político, representem retrocessos, como a volta do financiamento empresarial de campanha e a eliminação do sistema proporcional de escolha dos deputados e vereadores. Isso seria a completa desmoralização dos atuais detentores de mandato no Poder Legislativo Federal.

 Antonio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap